Folha de S. Paulo


No Rio, sai o churrasquinho de gato e entram os food trucks

Não olhe agora, mas ali tem um homem comendo um churrasquinho proibidão. Está lambendo os beiços.

Em setembro, o prefeito do Rio decidiu vetar um projeto que regulamentava a venda do espetinho de carne nas ruas. No "Diário Oficial", justificou que a atividade é proibida na lei do comércio ambulante e que "os alimentos de origem animal, por sua constituição, são meios de cultura ideais para o desenvolvimento e multiplicação de agentes patogênicos, isto é, micro-organismos com potencial para causar agravos à saúde dos consumidores".

Trata-se de uma cultura, não há dúvida, há anos incorporada à baixa gastronomia. Trata-se do popular churrasquinho de gato, sendo que o couro do bichano caçado e morto a pauladas serviria para a concepção de tamborins. É uma lenda urbana que no passado assustava as crianças tanto quanto a existência de Febrônio Índio do Brasil, o Filho da Luz, comedor de tenros fígados infantis.

Os mais tradicionais preferiam o churrasquinho que, dizia-se, era de cutia. Dóceis mas ágeis, os bichinhos eram capturados entre as árvores do Campo de Santana e depois servidos em espetos de bambu com molho e farinha numa barraca atrás da Central do Brasil, notadamente em tardes de clássico no antigo Maracanã. Comensais não faziam por menos na hora de elogiar: não havia nada mais gostoso no mundo.

Em tempo de crise, é bom lembrar que o churrasquinho dá emprego. E é por isso que não cito aqui o meu ponto preferido, para que o Quinzinho continue sustentando a família. Não à toa, uma página no site do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) ensina como tocar o negócio. No entanto, a onda higienizadora no Rio exige o fim do espetinho, seja de carne, frango ou salsichão. Não olhe agora, mas...

ONDE É O EVENTO?

Em contrapartida, a prefeitura liberou os food trucks (com perdão do duplo palavrão, leitores). Os caminhões de comida, com dimensões de sete metros de comprimento, 2,5 metros de largura e três de altura, poderão ficar instalados em 87 pontos de 26 bairros. Já ganharam apelido: "podrão gigante".

Gigante sobretudo nos preços cobrados por pratos supostamente orgânicos, italianos, franceses, orientais e, claro, pelo insípido fast food. Além disso, o bicho é do barulho: os geradores de energia fazem um som alto e contínuo, que incomoda a vizinhança.

É mais um pequeno avanço na transformação do Rio –que, nos tempos da Guanabara, já foi cidade-Estado– em cidade-evento. Um lugar perfeitamente aparelhado para receber Réveillons, festivais de rock ou de cervejas artesanais, Copas do Mundo, Olimpíadas. Mas que deixa no sereno o carioca da gema. Este só consegue entrar na festa de penetra.

O MINISTRO E O PARQUE

Dizem que o ministro Joaquim Levy (Fazenda) está louco para endireitar a economia do país (ou entortá-la de vez) para enfim dedicar-se a antigo sonho: escrever um livro sobre o Aterro do Flamengo. Seu apartamento na avenida Ruy Barbosa tem uma ampla visão da área, cujos jardins projetados por Burle Marx lhe enchem os olhos.

Ricardo Borges - 23.jul.2015/Folhapress

Enquanto o projeto não vinga, a exposição "Jardim de Memória", no Centro Cultural dos Correios, conta a história da construção do Aterro. São 110 fotos, além de desenhos originais, plantas de arquitetura e vídeos com depoimentos de engenheiros, botânicos e paisagistas.

A época no parque é a dos floridos ipês, uma das espécies preferidas de Levy. Vale um passeio, antes –tudo é possível– de alguém sugerir a construção, na orla do Flamengo, de um grande mafuá com torres de vidro espelhado.

SAMBISTA HISTORIADOR

Aluísio Machado não é só autor (com Beto Sem Braço) daquele que é considerado o último grande samba-enredo, "Bumbum Paticumbum Prugurundum", campeão de 1982 com o Império Serrano. A biografia "Sambista de Fato, Rebelde por Direito" [Outras Expressões, 392 págs., R$ 35], de Ricardo Leitão, revela sua faceta de cronista da história do Brasil. Em feitio de samba, Aluísio cantou o tempo da ditadura (quase parou no DOI-Codi), a abertura, a volta à democracia, as anos de neoliberalismo. É um senhor compositor.

ALVARO COSTA E SILVA, o Marechal, 52, é jornalista.


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