Folha de S. Paulo


Romance explora a vida em um país fustigado por invasores sucessivos

Seu país é um Estado ocupado e dilacerado por guerras, que passou de um invasor a outro e então de volta ao primeiro. Mesmo a paz, quando finalmente chega, não traz independência, mas décadas de mais subjugação. Até hoje pairam no ar dúvidas impalatáveis sobre cumplicidade, defesa de interesses próprios e concessões morais.

Assim foi o destino da Estônia, Letônia e Lituânia. Em 1940 os três pequenos países bálticos mal tinham vivido 20 anos de independência quando foram ocupados pela União Soviética. Em 1941, quando a Alemanha nazista os invadiu, alguns de seus habitantes saudaram as tropas invasoras como "libertadores". Três anos mais tarde, depois de o Exército Vermelho ter expulso os nazistas, Moscou assumiu o controle dos países bálticos, obrigando-os a fazer parte da URSS até 1991.

Toni Härkönen/Divulgação
A escritora finlandesa Sofi Oksanen, autora de
A escritora finlandesa Sofi Oksanen, autora de "Expurgo" (Record, 2012)

Não é a primeira vez que a escritora finlandesa-estoniana Sofi Oksanen trata da sombra lançada pela Rússia sobre a Estônia. "Expurgo", seu primeiro romance publicado em inglês (e transposto ao cinema em 2012), usa o encontro entre uma heroína dos tempos modernos e uma idosa sobrevivente da década de 1940 para comparar a máfia russa de hoje com o terror stalinista daquele tempo.

O novo romance de Oksanen, "When the Doves Disappeared" (Quando as pombas desapareceram; com lançamento no Brasil em setembro), está sendo lançado em inglês em um momento incomodamente pontual. No mês passado a Estônia deu início aos maiores exercícios militares de sua história em tempos de paz, realizados em resposta à beligerância crescente de Moscou. Enquanto forças pró-Rússia combatem no leste da Ucrânia, o clima é de ansiedade nos países bálticos, no passado parte de uma URSS da qual Vladimir Putin tem saudades.

Como "Expurgo", "When the Doves Disappeared" se alterna entre diferentes décadas: os anos 1940 e os 1960. O foco é ampliado para abranger uma narrativa mais ampla feita de deportações, refugiados e batalhas, além de olhar mais de perto para a carnificina no front doméstico. Enquanto o combatente irregular Roland chora a morte de sua noiva, ouve "o tilintar de pratos da cozinha... os sons de pessoas que têm alguém ao seu lado quando fazem as tarefas domésticas da noite. Tudo que me foi tirado."

Na família de Roland, a guerra traz a traição. Seu intriguista primo Edgar se adapta para servir a quem quer que esteja no poder, convertendo-se alternadamente em informante nazista e agente da KGB. Ele muda seu nome e reescreve não apenas sua própria história, mas também a da Estônia, num livro propagandístico que glorifica o domínio soviético. Enquanto isso, sua esposa Juudit tem um caso com um oficial da SS, graças ao qual é suprida de luxos; Roland vê sua boca "pintada de batom e falsidade", mas lhe oferece a possibilidade de redimir-se, recrutando-a para ajudar refugiados a fugir.

O que esses três protagonistas têm em comum é o instinto de sobrevivência. Escrevendo a partir da perspectiva de cada um, Oksanen nos mergulha nos pensamentos deles: uma teia de cálculos, autoilusão e especulações, enquanto cada um tenta decidir qual será seu próximo passo. Denúncias e mortes são seus companheiros constantes. Como diz Juudit: "Todos os dias fico à espera da hora em que vierem me buscar".
Traduzida ao inglês por Lola M. Rogers, a prosa é fluente e vívida –"sorrisos cintilavam no ar como bolhas num refrigerante recém-aberto ... e mandavam em direção aos libertadores uma brisa doce com o perfume de garotas".

Embora a história passada dentro da história passada possa ficar confusa em alguns momentos, os deslocamentos temporais com que Oksanen joga tecem uma intriga que vai preparando momentos de revelação chocante. Este é um romance tenso, politicamente relevante, que indaga: o que você faria para sobreviver?

"When the Doves Disappeared", de Sofi Oksanen. Traduzido ao inglês por Lola M Rogers. Atlantic Books. 304 páginas. Lançamento previsto no Brasil em setembro pela editora Record.

Tradução de CLARA ALLAIN


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