Folha de S. Paulo


Precisamos realmente de outros três filmes "Star Wars"?

J.J. Abrams vai dirigir uma nova trilogia. É uma necessária injeção de ânimo numa franquia enfraquecida ou seria melhor relegar os Jedi e o império do mal à história?

Tom Lamont, jornalista do "Observer"

Precisamos de outra trilogia "Star Wars"? Com certeza. Como gesto da Lucasfilm, para ajudar a apagar a recordação da trilogia passada. Mesmo que vestíssemos um grupo de amadores em roupões e sacos de lixo e os fizéssemos enfrentar-se com tubos de carregar pôsteres durante 300 minutos, dificilmente o resultado superaria a infelicidade daqueles filmes (lançados em 1999, 2002 e 2005). Com J.J. Abrams no comando de uma trilogia "Star Wars" recém-encomendada (o elenco de Abrams foi anunciado semana passada), os próximos três filmes devem ser consideravelmente melhores.

É melhor deixar claro que sou admirador de "Star Wars", não alguém obcecado por vestir a fantasia de Billy Dee Williams e discutir o valor potencial para o mundo da moeda de Alderaan. Não cresci assistindo aos filmes originais de George Lucas com algum tipo de reverência sagrada –apenas os curtia quando eram exibidos com semi-regularidade pela TV nos fins de semana. E, diferentemente de algumas pessoas, não achei traumático o jeito como Lucas errou feio com a segunda trilogia. Apenas senti, como deve ter sentido qualquer pessoa que curte "blockbusters", que os filmes novos eram complacentes, que seu elenco era ruim e que eles desperdiçaram a enorme boa vontade do público que existia quando foram lançados.

Boa vontade essa que, por sinal, ainda existe. Abrams demonstrou ousadia quando assumiu "Star Trek", uma franquia moribunda que ele fez reviver em 2009 com doses de adrenalina e uma insistência no respeito, agradando aos espectadores novatos e aos fiéis anteriores. Estou interessadíssimo em ver o que ele fará com "Star Wars".

Guy Lodge, crítico de cinema do "Observer"

Concordo com você que os três últimos filmes "Star Wars" foram péssimos –ou os três primeiros, como Lucas gostaria que os descrevêssemos, e por isso renumerou a série (será que alguém além do próprio Lucas descreve o original de 1977 como "Episódio 4"?). Mas isso me parece ser uma razão para deixar as coisas como estão, e não tentar reparar o erro. Se não mexermos com eles, os acréscimos indesejados podem acabar caindo no esquecimento. Mas criar sequências –sejam elas bem-sucedidas ou não– vai eternamente chamar a atenção para o jeito como Lucas estragou sua própria criação.

Pelo menos era sua própria festa que ele estragou. É pouco provável que os filmes de Abrams sejam tão melosamente equivocados; ele é um diretor que se especializa em eficiência de aço inoxidável, sem falar que já garantiu um elenco de talentos jovens e incomuns (me sinto obrigado a dizer que estou muito "feliz" por Domhnall Gleeson e John Boyega, desde o ponto de vista de suas carreiras, se bem que eu preferiria vê-los em um sem-número de outros filmes). Mas não tenho certeza se Abrams, ou qualquer outro diretor, será capaz de infundir muita inspiração a um mundo de fantasia que já está muito bem regulamentado. Seu "reboot" de "Star Trek" foi divertido e animado, mas não deixou de ser nostalgia com um revestimento novo. E essa impessoalidade ficou ainda mais evidente em sua sequência "Além da Escuridão: Star Trek".

Abrams é um artesão sem firulas, razão pela qual consegue deslizar tão facilmente entre uma franquia de filmes e outra. Mas os primeiros filmes "Star Wars" foram recebidos com amor palpável por sua mitologia tolinha. Será que Abrams aderiu suficientemente a eles? E passar de "Star Trek" para "Star Wars" não é um pouco como tocar para o Blur e também o Oasis? Será que deveríamos estar incentivando a ressurreição de qualquer franquia, agora que os roteiros originais são uma novidade cada vez mais infrequente entre os blockbusters de Hollywood? Não posso deixar de pensar que o novo "Star Wars" não deveria ter nada a ver com "Star Wars".

Lamont - Antigamente, apenas os filmes "Loucademia de Polícia" e as comédias sobre cachorros fora do comum lançadas diretamente em vídeo eram esticados até o filme sete, oito ou nove. Hoje é praxe dos estúdios já pensarem em meia dúzia de sequências para frente. Ou ainda mais. O presidente da Marvel Studios tem um pôster na parede de sua sala de trabalho que mapeia 14 anos de filmes de super-heróis interligados, ainda por vir. Até 2028! Vivemos na era das franquias. Seres dotados de superpoderes que atiram uns aos outros contra prédios ganham dinheiro certo nos Estados Unidos e Ásia, os mercados que interessam para Hollywood. As franquias não vão desaparecer.

Mas há vantagens. Você fala como se as grandes franquias sufocassem a criatividade, mas nem sempre é esse o caso. Roteiristas, diretores, até equipes de escolha de elenco já se sentiram encorajados pelo fato de que um só filme que faz parte de um pacote maior não tem a obrigação de ser sucesso de bilheteria, sob pena de quebrar a banca. Riscos são corridos. "Homem de Ferro 3", do ano passado, surpreendeu e agradou com o tratamento dado ao vilão central, representado por sir Ben Kingsley e revelado, no meio do filme, como sendo um idiota ridículo. O segundo "Jogos Vorazes", confiante em seu poder de arrecadação, graças ao sucesso do primeiro, foi um triunfo que virou um gênero do avesso, convertendo a violência cândida ao estilo de Paul Greengrass em uma gostosa história de aventuras.

Há sinais promissores de que "Star Wars" –renovado e com pouco a perder em termos de credibilidade, depois de "A Ameaça Fantasma" e todo o resto– vai se soltar mais uma vez e buscar um pouco do espírito de brincadeira que tornou o original de 1977 tão divertido de se ver. Já foram feitas algumas escolhas pouco ortodoxas. Abrams, que além de diretor é o co-roteirista, tem um histórico de arrancar de seu público respostas inesperadas em momentos inesperados (pense no toque cômico perverso com que ele matou seu vilão principal em "Missão Impossível 3"). E dois membros do novo elenco, Oscar Isaac e Adam Driver, foram vistos juntos pela última vez em "Inside Llewyn Davies", comédia excêntrica dos irmãos Coen.

Lodge - Não há dúvida de que Abrams se vira bem com um seriado –é por isso que seus melhores trabalhos até agora foram para a televisão (sim, "Lost" nos deixou um pouco irritados, mas "Alias" nunca teve esse efeito). E, com a ascensão da ideia de que a televisão americana está ultrapassando o cinema do país, talvez seja por isso que o cinema venha, cada vez mais, emulando as estruturas narrativas da telinha. Pensando bem, eu seria mais receptivo à ressuscitação de "Star Wars" como seriado dramático com um orçamento como o de "Game of Thrones", que exigiria mais ênfase na narrativa que nos artifícios visuais de grande escala.

Mas não concordo que a extensão de franquias necessariamente favoreça a experimentação. Acho que as surpresas no meio de séries geralmente se devem a influências novas de diretores novos. Alfonso Cuarón levantou o astral estético e atmosférico da série "Harry Potter" depois do terceiro filme, mas os últimos quatro, dirigidos por David Yates? Foram totalmente indistinguíveis um do outro, o que fez a série se arrastar, antes mesmo da separação em dois do episódio final, coisa que toda a moçada cool vem fazendo hoje em dia.

O segundo "Jogos Vorazes" realmente se posicionou com confiança garantida pelo sucesso, mas também se beneficiou de uma direção mais visual e tonalmente ousada.

Mesmo os três primeiros "Star Wars", apesar de unificados pela imaginação de Lucas, conservaram sua agilidade graças à intervenção criativa sutil de um diretor diferente de cada vez (enquanto isso, os três filmes que nós dois gostaríamos de esquecer foram dirigidos de modo uniforme por Lucas). Abrams parece ter se comprometido apenas formalmente com o "Episódio 7", mas é a perspectiva de mais dois filmes de linhagem igual que me parece tão opressora.

Lamont - Por que você teve que aventar a ideia de um híbrido de "Star Wars" e "Game of Thrones"? Agora estou com vontade de ver muito mais que estes novos filmes de Abrams. Imagine só: execuções públicas com sabre de luz. Caçada recreativas a Ewoks. Jedis falando palavrões livremente. Mas tenho medo de pensar o que inventariam para Luke e Léia, os irmãos Skywalker.

Lodge - As fusões entre séries podem ser uma maneira de manter as coisas frescas. Depois de quatro décadas de "Star Wars", só podemos torcer para que a franquia ainda renda três filmes. A criação de Lucas, uma colcha feita de retalhos de gibis já esquecidos e partes cortadas de filmes B de ficção científica de Hollywood, nunca foi muito profunda. Não estou convencido de que tenha sido construída para ser a saga que sua popularidade –e a vaidade de seu criador– a forçou a se tornar.

Se a história chegar a um beco sem saída, será preciso mais que uma ponta de Ben Kingsley num segundo filme, ou mesmo uma invasão de Lannisters barbados (alguém se interessa por um "Stark Wars"?) para me manter interessado.

Tradução de CLARA ALLAIN


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