Folha de S. Paulo


"Previsão é uma ferramenta realmente importante, não é um jogo", diz Nate Silver

É preciso ser um homem de coragem para apostar contra Nate Silver, o guru das pesquisas do "The New York Times". O criador do blog FiveThirtyEight --"cinco trinta e oito", alusão aos 538 delegados no Colégio Eleitoral que escolhe os presidentes nos EUA-- apontou corretamente não só o resultado geral, mas também os resultados de 49 dos 50 Estados americanos na eleição de 2008.

Mas no período que antecedeu à eleição de 2012, a qual numerosos analistas americanos insistiam estar indefinida, Silver foi contestado por parte da direita americana. Por que ele estava dizendo que a eleição não estava nem sequer acirrada? Por que ele dizia que Obama tinha 90% de chance de ganhar uma eleição que todos julgavam estar no fio da navalha.

Silver foi ficando tão cansado de ser desafiado que ofereceu uma aposta a Joe Scarborough, comentarista da NBC: se Obama ganhasse, Scarborough doaria US$ 2.000 para a caridade. Se Mitt Romney vencesse, Silver faria o mesmo.

Randy Stewart/Creative Commons
Nate Silver inovou a cobertura das eleições nos Estados Unidos, com seu método de fazer estatísticas
Nate Silver inovou a cobertura das eleições nos Estados Unidos, com seu método de fazer estatísticas

Silver levou uns cascudos da editora pública [ombudsman] do "NYT" --e Scarborough não aceitou a aposta--, mas ele acabou sendo vingado. Depois de acertar 49 Estados na vez anterior, ele emplacou todos os 50 em 2012.

Foi uma briga característica de Silver, misturando a crença no poder das suas estatísticas, o desprezo pelo jornalismo político tradicional dos EUA e um gosto por fazer apostas. É uma marca que ele estendeu, por intermédio do seu livro "The Signal and the Noise" [O sinal e o ruído], a um olhar sobre as próprias práticas da previsão e da análise, aplicadas a muitos outros campos.

Prever corretamente a eleição dos EUA, diz Silver no confortável saguão de um hotel londrino, foi menos difícil --e menos digno de adulação-- do que a mídia americana fez parecer. Seu triunfo pareceu maior, essencialmente, porque a maioria dos especialistas americanos fez previsões péssimas. "Comecei o FiveThirtyEight em parte como um hobby, mas em parte porque eu achava que a cobertura midiática das campanhas eleitorais era bastante terrível nos EUA", diz ele.

"As eleições gerais nos EUA são muito previsíveis. Toda essa coisa de ter um sistema bipartidário muito estável é parte disso --90% do eleitorado já tem opinião formada, então 40 dos 50 Estados estão fechados."

Silver diz que mais ou menos metade dos demais votos se baseia na economia --o que é fácil de desdobrar em uma previsão--, de modo que basta monitorar 5% dos eleitores americanos, e nisso as pesquisas ajudam. Mas os meios de comunicação dos EUA tendem a não entender isso, porque na verdade não é do seu interesse. "O problema com a eleição é que você tem um ciclo muito longo. Ele dura de 18 meses a dois anos, se você considerar as primárias. Mas na maior parte do tempo não acontece nada de significativo. É muito difícil para os jornalistas escreverem essa história, eu acho."

Ele tem um pouco mais de solidariedade pela campanha de Romney, a qual, segundo relatos, na véspera da eleição ainda acreditava genuinamente que ele iria vencer. O erro, diz Silver, foi a campanha ter colocado seu instituto de pesquisas diante do público, e não como um "controle de realidade" interno. Quando você está perdendo na época da eleição, diz ele, não há muita coisa a dizer.

"Se você é um especialista em pesquisas e sua campanha está perdendo em agosto, você pode dizer: 'Bom, estamos lá embaixo, mas vamos chegar à vitória, e isso demonstra por que temos esta nova mensagem'", diz ele. "Mas se você está lá embaixo em novembro... Aí você está meio que fodido, né?"

O que aconteceu com Silver durante e depois da eleição dos EUA foi bem menos previsível do que o resultado em si: ele é o novo rei das estatísticas, fazendo conferências e sessões de autógrafos nos mundo todo, o que por sua vez motiva artigos acerca do "culto a Nate" --a ascensão do incontestável mago dos dados. Ele diz que até na Pirâmide do Sol, em Teotihuacán, México, ele foi reconhecido. "É um mau presságio."

"Eu gostaria de viver por alguns dias na realidade alternativa em que Mitt Romney vence, só para ver como as coisas despencam", brinca ele. "De certa forma, quando as pessoas dizem coisas do tipo 'Tudo o que o Nate faz é uma bíblia', isso é um sintoma do tipo de doença que é não ser autocrítico e não pensar nas coisas."

O que ele está realmente tentando fazer, afirma, é mostrar que previsões são difíceis, e que os especialistas nem sempre são confiáveis.

"Não quero que as pessoas me vejam como aquele cara que prevê as coisas", diz ele, desconfortável. "A previsão é uma ferramenta realmente importante, e é essencial para a ciência, para ver se a realidade subjetiva bate com o mundo objetivo. Mas não é realmente um jogo de quermesse. As pessoas têm me pedido para prever uns troços da Kate Middleton por aqui, umas coisas assim. Realmente não é essa a ideia, né? Esse troço é difícil."

Prever quanto tempo Silver ainda pode ficar no jogo político talvez também seja uma dura tarefa. Ele nunca fez nada por mais de quatro anos, e já está há quatro com o FiveThirtyEight.

"O plano básico que eu tenho é que eu provavelmente vou continuar me arrastando por este ciclo eleitoral, até 2016, e aí depois talvez eu saia e faça algo muito, muito diferente", diz ele. "Porque de fato eu tenho um histórico de ficar entediado com as coisas depois de um tempo e querendo avançar. Trabalhei durante quatro anos na KPMG, aí por quatro anos tive a fase do beisebol/pôquer, aí quatro anos no FiveThirtyEight, então sei lá."

"Quando você tem 35 anos e sabe que provavelmente --não com certeza--, mas sabe que provavelmente você está no auge de sua reconhecibilidade e do seu potencial de lucros no curto prazo, acho que isso é um pouco estranho" reflete. "Mas é um problema bom de ter, em relação aos problemas que a maioria das pessoas precisa enfrentar."

O REI DAS ESTATÍSTICAS PREVÊ...

Pedimos a Nate Silver para avaliar a previsibilidade de diferentes coisas da vida: da política ao críquete, do terrorismo à orientação sexual. Eis as notas que ele deu a dez áreas, numa escala de previsibilidade que vai de 0 a 10.

Eleições presidenciais dos EUA: 8,5

"Tenho sorte de ser americano", diz Silver. "É provavelmente o sistema mais fácil de prever no que diz respeito às eleições."

As eleições dos EUA são previsíveis, diz ele, por algumas poucas razões. Primeiro, porque há um grande volume de dados estatísticos: há pesquisas nacionais regulares e também, ao contrário do Reino Unido, pesquisas para cada Estado individual.

"Se só tivéssemos dados de pesquisas nacionais, ainda assim teríamos tido Obama na frente, mas com muito menos confiança", diz ele. "Teríamos uma vitória dele por 0,5 ponto, em vez de 2,5 pontos."

Quanto ao Congresso (ou pelo menos suas eleições), não é tão fácil, e a nota fica em torno de 7.

Eleições gerais britânicas: 5,5/6

Os britânicos simplesmente não são tão previsíveis quanto os americanos, diz Silver. Em seus esforços para antecipar o resultado da eleição geral de 2010, ele previu cerca de cem deputados para os liberais-democratas, que ficaram com 62.

"Acho que o modelo pegou Cleggmania", diz ele [numa alusão ao líder do Partido Liberal Democrata, Nick Clegg]. O sistema tripartidário do Reino Unido (agora, com o Ukip, potencialmente um sistema de quatro partidos) faz com que haja mais partes móveis a monitorar, e menos dados para usar.

Ainda assim, Silver não admite totalmente a derrota. Como as eleições são limpas, e as pesquisas são razoavelmente precisas, ele diz que é possível algum grau de predição --e não descarta tentar de novo em 2015.

Terremotos: 2

Prever um terremoto específico é um jogo para otários: nada funciona. Mas, numa escala mais ampla, há muita coisa que podemos dizer.

"Sabemos a incidência dos terremotos em longo prazo: a cada X anos você terá Y terremotos na área Z", diz Silver. "[Mas] realmente prever terremotos num momento específico --não há como."

Isso não impediu as autoridades italianas de processarem seis cientistas e um funcionário público por dizerem em 2009 que não havia risco de terremoto, logo antes de um deles acontecer. Silver acha que o processo foi "ridículo", mas as autoridades poderiam ter sido mais cuidadosas: pequenos terremotos podem representar um aumento no risco em curto prazo --"talvez 1 chance em 100, em vez da habitual 1 em 50 mil". No entanto, diz ele, comunicar isso ao público seria uma tarefa difícil.

Asteroides: 8,5

A chance de antever a chegada de um asteroide é muito maior do que no caso de um terremoto --embora ninguém tenha previsto a chuva de meteoros deste ano na Rússia, é provável que enxerguemos alguma coisa realmente grande se aproximando.

"Na escala do Sistema Solar, há um alto nível de previsibilidade na astronomia", conclui Silver. "Um asteroide suficientemente grande para destruir a civilização você pode provavelmente detectar com antecedência."

O que é mais complicado de adivinhar, naturalmente, é se pelo simples fato de vermos um asteroide chegando com dez anos de antecedência poderemos fazer alguma coisa para contê-lo.

Beisebol: 8/9

Silver ganhou fama construindo um sistema que prevê o desempenho de um jogador no beisebol, chamado Pecota. Então, não surpreende que ele considere esse jogo bastante previsível.

Na verdade, ele acha que os sistemas são tão bons atualmente que cerca de 95% do que é previsível (ao invés de aleatório) já está capturado. Mas o beisebol tem suas peculiaridades. "Ele não é intrinsecamente tão previsível assim", diz ele. "Um time de futebol como Manchester United perde só umas duas vezes a cada temporada, ao passo que mesmo o melhor time de beisebol perde cerca de um terço das vezes."

Críquete: 8/9

O críquete não está tão sujeito a frenéticas análises estatísticas quanto o seu (digamos) equivalente americano, o beisebol, mas não há razão para que não esteja, segundo Silver.

Sim, os campos fariam muito --mas os estádios de beisebol também. Os "bowlers" tentam todos os tipos de arremessos diferentes --mas os "pitchers" também. O beisebol pode ter sido mais submetido a réguas de cálculo e truques estatísticos graças ao fato de haver bem mais dinheiro nesse esporte, mas o críquete também poderia ser esmiuçado.

"Não deveria realmente ter nada de diferente", minimiza Silver. "Tenho certeza de que há alguns apostadores que já tentaram."

População mundial em cem anos: 7

Especialistas em previsões, de Malthus a Paul Ehrlich, vêm errando dramaticamente suas estimativas populacionais --mas Silver acha que elas podem alcançar um grau razoável de precisão.

As previsões da ONU, diz ele, são bastante boas. Olhando para daqui a cinco anos, as chances de acertar são extremamente altas. Olhando mais para frente, há mais formas de errar. Por exemplo, diz Silver com jeito de estar minimizando, "termos alguma catástrofe em massa é um risco para o lado negativo", mas para acertar a população no próximo século é preciso realmente acertar a Índia e a China: se elas não agirem conforme o esperado, todas as apostas caem.

Orientação sexual: 6

"Não quero soar politicamente incorreto", diz Silver, "mas é fácil ter um 'gaydar' para pessoas que estão agindo de certa maneira estereotipada, deliberadamente ou não. É fácil identificar as pessoas que se encaixam no estereótipo. Mas até que ponto é fácil identificar as que não se encaixam?".

Ele acha que na verdade é relativamente fácil: estudos sugerem que as pessoas têm uma boa chance de acertar a orientação sexual de estranhos vistos em fotos. Tudo se resume a sinais não verbais.

"Geralmente não sou o tipo de cara que diz que a intuição é incrível, mas há uma grande quantidade de informações sutis que transmitimos", diz ele. "Em Nova York, ando de um jeito muito agressivo, todos nós andamos o tempo todo pela rua sem olhar para os lados, mas a gente nunca esbarra em ninguém, mesmo se você estiver olhando o celular você tem todas essas pistas que você desenvolve para negociar a forma como você desce uma rua muito movimentada."

"Mas aqui [em Londres], [essas pistas] não funcionam, porque as pessoas têm uma diferente sensibilidade esquerda/direita, ou simplesmente porque os modos são um pouco diferentes, eu quase esbarro nas pessoas o tempo todo. Então há muita informação não verbal que as pessoas estão captando."

Detecção de terroristas: 3

Detectar terroristas peneirando um enorme volume de dados, traçando perfis e por outros métodos é uma alta prioridade para governos nos dois lados do Atlântico --mas que pode não ser tão eficaz assim.

"Não sou um grande fã da guerra ao terrorismo e de tudo o que ela justificou, mas acho realmente notável que fatos como as explosões de Boston não venham ocorrendo com mais frequência", diz Silver.

"Onde há tantas ameaças em potencial e magros feixes de informação, é incrível que tantos complôs sejam evitados. É difícil porque você está falando no comportamento de um número muito pequeno de indivíduos."

Silver compara os atentados terroristas aos terremotos: usando eventos de diferentes magnitudes, é possível prever quantos ataques maiores podem ocorrer em um período longo --mas prever qualquer atentado em particular é bem mais difícil.

Consumo (o que as pessoas vão comprar): 7

Se há um grupo com um incentivo para acertar previsões é o comércio --e, felizmente para ele, há uma pilha de dados com os quais fazer isso, on-line ou off-line.

Há uma razão pela qual os "hábitos de consumo" têm esse nome, segundo Silver: as pessoas geralmente compram repetidamente coisas semelhantes, e os varejistas pegam isso e estão tentando tirar vantagem.

"A Macy's está testando 50 mil diferentes versões do seu catálogo, direcionadas para clientes diferentes", diz ele. "Esse é um negócio no qual você pode ir mais longe do que pode em outros domínios."

Você é um alvo no mercado --e a mira está ficando cada vez mais precisa.


Endereço da página:

Links no texto: