Folha de S. Paulo


Cresce o interesse pela vida turbulenta de Zelda Fitzgerald

Enquanto o muito comentado filme baseado em "O Grande Gatsby", de F. Scott Fitzgerald, é aguardado nos cinemas neste verão do hemisfério norte, quatro obras novas de ficção exploram os tempos da mulher intensa e talentosa que tanto influenciou o trabalho dele.

Divulgação
Zelda Fitzgerald
Zelda Fitzgerald

Já foi publicado "Z: A Novel of Zelda Fitzgerald" (Z: um romance sobre Zelda Fitzgerald), de Therese Anne Fowler, um relato imaginário feito na primeira pessoa, acompanhando Zelda desde os 17 anos, em seu primeiro encontro com seu futuro marido, em Montgomery, Alabama, até a morte dele, em 1940. A própria Zelda morreria oito anos mais tarde num incêndio em um hospital, trancada numa sala à espera de eletroterapia.

"Z" será seguido nas próximas semanas por dois outros relatos imaginários do relacionamento entre Zelda e Fitzgerald: "Beautiful Fools" (Belos tolos), de R. Clifton Spargo, e "Call me Zelda" (Me chame de Zelda), de Erika Robuck. Um quarto romance está previsto para o outono.

A história dessa relação conjugal sombria e complexa --prejudicada pelo alcoolismo, os ciúmes e problemas de saúde mental-- já foi objeto de estudo de críticos. Quatro anos mais jovem que Fitzgerald, Zelda foi um símbolo da era do jazz que passaria longos períodos de sua vida hospitalizada por doenças mentais.

A amargura ao cerne do relacionamento foi descrita pela biógrafa de Zelda, Sally Cline, uma década atrás. "Zelda sempre se parecia com a heroína trágica de romances, seus e de outras pessoas", Cline disse ao "Observer" na semana passada, procurando explicar o interesse literário renovado pela vida de Zelda. "Ela adorava e odiava seu marido, que a adorava, a oprimia e a vitimava. Sua vida melodramática foi de natureza própria para inspirar obras de ficção."

Os destaques (bons ou ruins) do turbulento casamento dos Fitzgerald incluíram o envolvimento romântico de Zelda com um piloto francês na Riviera, suas suspeitas de que Fitzgerald estivesse tendo um relacionamento sexual com Ernest Hemingway e acusações feitas por ele e ela de que o outro tinha plagiado sua vida. Cline aponta para uma discussão entre Scott e Zelda em 1933, enquanto Zelda estava hospitalizada para tratamento de doença mental, que foi gravada pelo médico dela.

Aparentemente, o escritor tentou impedir sua mulher de escrever sobre o casamento deles e a doença mental dela --temas que ele próprio estava tratando em seu romance "Suave é a Noite". Ele descreve os esforços literários dela como sendo "de terceira categoria", enquanto ela o acusa de depender das "migalhas" dela para fornecer materiais para seus escritos. Quando Zelda publicou seu romance "Esta Valsa é Minha", Scott se enfureceu com o uso de materiais autobiográficos que ele esperava aproveitar.

Os tempos de dificuldades econômicas são outro fator a explicar o atual revival do interesse por Zelda Fitzgerald, segundo Cline e Spargo: os Fitzgerald viveram num período de prosperidade manifesta, seguida por austeridade e declínio agudo. "Sob alguns aspectos, Zelda personificou o século 20", diz Spargo. "Ela nasceu em 1900. Viveu a prosperidade da década de 1920, e seu colapso se deu no meio da Grande Depressão."

Spargo insiste que é neutro em relação ao que descreve como a controvérsia "entre os times de Scott e de Zelda", buscando, em vez disso, caracterizar a persistência de uma "ternura romântica" no relacionamento deles até o final. Mas Fowler comentou que quer deixar claro os fatos relativos a Zelda, que ela considera ter sido tratada injustamente. "Fui procurar algumas informações preliminares e em pouco tempo me chamou a atenção que os conhecimentos superficiais a respeito de Zelda nem sequer começam a descrever a pessoa que ela realmente foi", disse a autora em entrevista a uma rádio americana.

"Eu tinha iniciado o projeto com a ideia de que Zelda foi apenas a mulher maluca e turbulenta de F. Scott Fitzgerald. Não sabia nada sobre ela, na realidade. Em pouquíssimo tempo percebi que a representação dela na cultura popular é gravemente equivocada. Quanto mais descobri, mais me senti compelida a corrigir a narrativa sobre ela; isso se tornou uma espécie de missão para mim."

Como Fowler e Spargo, Robuck não sabia que outros autores também estavam escrevendo romances sobre Zelda. "Eu me interessei por Zelda quando estava trabalhando sobre meu romance anterior, 'Hemingway's Girl' (A garota de Hemingway). Topava com ela a todo momento em minha pesquisa. Fiquei fascinada."

Robuck considera que os interesses de Zelda --primeiro como dançarina, depois escritora e artista-- nunca foram levados a sério. "F. Scott Fitzgerald disse a ela que a vida conjunta deles era o material dele. Ele usou material dos diários e cartas dela. Acho que ela gostou disso, inicialmente." Foi apenas mais tarde, diz Robuck, quando os problemas de Zelda ficaram mais evidentes e ela buscou expressar-se como artista, que as tensões se acirraram.

Enquanto os quatro autores procuraram identificar alguma redenção romântica no relacionamento de Scott e Zelda à medida que eles se afastaram, o epitáfio da relação talvez tenha sido dado melhor pelo próprio Scott Fitzgerald numa observação comovente feita durante um dos períodos que Zelda passou em tratamento psiquiátrico. "Perdi minha capacidade de esperança nas estradinhas que levaram ao sanatório de Zelda", disse Fitzgerald, já mergulhado em dívida profunda e, em seus momentos mais sóbrios, em remorso.

"As pessoas gostam de indagar se Zelda teria se saído melhor sem ele", Fowler já comentou. "Scott e Zelda foram as duas faces de uma mesma moeda. É difícil imaginar que estaríamos falando sobre qualquer um deles se eles não tivessem sido um par."

Tradução de CLARA ALLAIN.


Endereço da página:

Links no texto: