Folha de S. Paulo


crítica

Obra busca examinar implicações do destino, em várias camadas

4321
AUTOR Paul Auster
EDITORA Henry Holt and Co.
QUANTO R$ 72,90 (Livraria Cultura) e R$ 87,87 (Amazon)

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Paul Auster era no passado um escritor enxuto. Pense em "Trilogia de Nova York", cujos três romances ("Cidade de Vidro", "Fantasmas" e "O Quarto Fechado à Chave"), juntos, não preenchem 500 páginas.

Para nos relacionarmos com esses livros, precisamos nos dispor a ler nas entrelinhas. Mas por volta de seu romance "Desvarios no Brooklyn", de 2005, começou a afrouxar a linguagem, tornando-se discursivo e acessível.

Seus livros desde então têm um clima mais divagante, como se, ao mergulhar neles, também mergulhássemos no vaivém da mente de Auster.

"Talvez seja bom", ele observa em "Diário de Inverno", "deixar suas histórias de lado por enquanto e tentar examinar como tem sido viver dentro deste corpo desde o primeiro dia de vida do qual você se recorda até este."

O romance "4321", seu primeiro em sete anos, poderia usar essa observação como epígrafe. O protagonista, Archie Ferguson, compartilha aspectos da biografia de seu criador.

Mas não se deixe enganar: este não é um "roman à clef" [em que pessoas reais são identificadas por nomes fictícios]. Auster busca examinar implicações do destino, num estudo em várias camadas. Ele nos oferece quatro versões paralelas do protagonista. Cada versão vive uma passagem só sua, embora existam algumas continuidades marcantes.

Archie é um esteta, embora isso signifique coisas distintas para suas diferentes variantes. Em uma das tramas, é escritor de ficção; em outra, é jornalista. É até certo ponto um jogo em que a estrutura do livro nos lembra sua própria condicionalidade, a mutabilidade da narrativa, a ideia de que histórias, como vidas, só são fixas quando estão acabadas.

Auster aprofunda esse conceito, oferecendo pistas, ou pontos de referência, que conduzem a outros romancistas famosos, como Saul Bellow, Philip Roth e Don DeLillo.

O que faz a obra ser mais que insular é a sua intenção de acompanhar a vida interior do protagonista. O que mais chama a atenção é como suas diferentes narrativas se refletem, em vez de divergir.

Para Auster, isso assinala tanto as possibilidades quanto suas limitações –um reconhecimento de que, mesmo em um conjunto de narrativas divergentes, certas pessoas e certas interações se aproximam repetidas vezes. Não é exatamente o destino, e sim o reconhecimento de que sempre somos circunscritos pelas circunstâncias, por nossos pais, nossas comunidades. O potencial não é ilimitado.

Em "4321", um livro longo, o que nunca deixa de ser convincente e forte é a impressão que ele nos transmite de que o tempo mais importante existe dentro de nós, o tempo da memória e imaginação, o tempo do qual é forjada a identidade.

Como todo mundo, Archie e sua família precisam viver e morrer no tempo. Mas a medida da existência de todos não é necessariamente o que deixam para trás, mas quem eles pensaram ser. "A palavra 'psique' tem dois significados em grego", diz a tia de Archie, em um dos trechos mais contundentes do livro. "Borboleta e alma. Mas, se você parar para pensar com cuidado, borboleta e alma não são diferentes, afinal."

Tradução de CLARA ALLAIN


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