Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Maria Bethânia apresenta show de sucessos com técnica e emoção

MARIA BETHÂNIA (ótimo)

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A proposta era um tanto incomum: Maria Bethânia cantando um show de sucessos, ela que habitualmente se apresenta apenas em turnês de novos discos ou de projetos especiais, ligados à música ou à literatura.

Mas o que se viu no paulistano Citibank Hall no sábado (1º) foi algo bem comum: uma plateia deixando o local extasiada, depois de ouvir talvez a voz mais poderosa da MPB, em mais uma noite de técnica e emoção.

Bethânia é uma força da natureza. Caso raro de uma cantora que impressiona cantando em qualquer intensidade, de um sacudido samba de roda baiano a uma canção intimista, de arrepiar.

Na verdade, nem precisa cantar. Ao declamar poemas de seus favoritos entre uma música e outra, faceta presente em sua carreira desde sempre, já magnetiza o público.

A postura dos fãs é de devoção. Uma adoração forte, mas respeitosa. A altivez da cantora em cena até inibe os gritinhos histéricos que pontuam shows de outras ditas "divas" da MPB. Bethânia é para se prestar atenção.

Ela tem tamanho controle do espetáculo que consegue domar qualquer sinal de insurgência na plateia. Quando declamou o poema "Ultimatum", de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa), obra que ataca os poderosos, gritos de "Fora, Temer" e "Fora, Lula" pipocaram pelo salão. "Posso continuar?", dito de forma curta e grave, foi suficiente para o silêncio retornar.

Bethânia tem uma postura quase sacra de seu trabalho. Tudo é visivelmente ensaiado com esmero, a execução das músicas segue uma rigidez óbvia. Ela não abre espaço para conversar de forma coloquial com a plateia, seu contato verbal com os fãs se resumiu a um ou outro "Obrigado, senhores!" e "Obrigado, São Paulo!".

Mesmo num declarado "show de hits", ela encontra espaço no roteiro para canções menos conhecidas ou mais recentes, como a inspirada "Estado de Poesia", de Chico César. O recurso que utiliza com maestria é criar formatos de pot-pourri, unindo duas ou três músicas em blocos harmoniosos.

Assim, uma ou outra canção que não é reconhecida por todos na plateia vem ligada a um sucesso estrondoso desses 52 anos de carreira da artista. E como tem sucesso.

"O Quereres", música que o irmão Caetano Veloso regravou recentemente para a abertura da novela global "A Força do Querer", é o primeiro hino cantado em coro pelo público, logo no começo do show.

A seguir, Bethânia desfila canções de seus compositores favoritos que, em versões tão definitivas registradas por ela, parecem mais propriedades suas. "Negue", "Olhos nos Olhos", "Cálice", "É o Amor", "Volta por Cima", "Fera Ferida" e "Reconvexo" hipnotizam a plateia. Com tantos sucessos, Bethânia se permite encerrar o show, antes do bis, com a belíssima canção francesa "Non, Je Ne Regrette Rien" (de Charles Dumont e Michel Vaucaire, famosa com Edith Piaf), que, didaticamente, traduz para o público.

Para encerrar o bis, apoteose dançante com "O Que É, O Que É?", de Gonzaguinha (1945-1991), para todos cantarem "É a vida, é bonita/ e é bonita". O final de uma noite muito bonita.


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