Abuso sexual é um tema tão delicado que os que tentam dramatizá-lo correm o risco de carregar demais nas tintas ou, ao contrário, torná-lo só mais uma ofensa entre tantas. "Una" tenta pisar nesse terreno minado sem ferir suscetibilidades e, por isso, o resultado é frustrante.
O diretor Benedict Andrews estreia no formato longa depois de coassinar as filmagens de uma montagem teatral de "Um Bonde Chamado Desejo". Em "Una", Andrews também parte de um texto teatral e obedece a algumas convenções do meio, como a concentração espacial e a encenação do conflito por meio de duelos verbais.
Essa regra só é quebrada pela inserção de flashbacks, artifício narrativo antiquado que se usa aqui para expor os motivos que mortificam a personagem-título e para tentar libertar o filme da pesada moldura teatral.
Outro investimento evidente aparece no elenco, com os sólidos Rooney Mara e Ben Mendelsohn se digladiando na pele de personagens difíceis e nada simpáticos.
O núcleo do drama é o reencontro de Una e Ray. Ela tinha 12 anos quando teve um caso com ele, um vizinho maduro. O amor proibido acabou interrompido e ela se transformou numa mulher obcecada, que se entrega ao sexo anônimo e que decide procurar o ex-amante para um acerto de contas. Ele foi condenado por abuso e depois reconstruiu a vida.
Logo nas primeiras cenas, o filme mostra que não vai tratar o assunto da perspectiva do desejo maduro e da sedução adolescente, como Nabokov e Kubrick ousaram fazer mais de meio século atrás no clássico "Lolita". Nem se interessa pelas possibilidades de abordar o erotismo infantil sem inibições, como fez Gregg Araki em "Mistérios da Carne".
Agora, sinal dos tempos, tudo se resume à culpa e à punição. No fim, a moral maniqueísta do texto impõe imagens, no mínimo questionáveis, da mulher como histérica vingativa e do homem como tarado. O mundo já não anda bastante limitado para termos de aguentar isso?
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