Folha de S. Paulo


Crítica

Bob Dylan lança a melhor de suas esquisitices

AP Photo/Chris Pizzello
FILE - In this Jan. 12, 2012, file photo, Bob Dylan performs in Los Angeles. Dylan was named the winner of the 2016 Nobel Prize in literature Thursday, Oct. 13, 2016, in a stunning announcement that for the first time bestowed the prestigious award to someone primarily seen as a musician. (AP Photo/Chris Pizzello, File) ORG XMIT: NY204
Bob Dylan durante show em Los Angeles em 2012

Todo mundo concorda que a atual fase de Bob Dylan é muito esquisita. E a maioria vai acabar admitindo que "Triplicate", seu novo álbum triplo, é a melhor esquisitice de sua produção recente.

Pela terceira vez seguida ele dedica um trabalho a covers de standards da canção americana. Grande músicas que se tornaram populares e imortais durante o século 20, em interpretações de vozes impecáveis como as de Frank Sinatra, Tony Bennett, Mel Tormé e Sarah Vaughan.

Nos discos "Shadows in the Night" (2015) e "Fallen Angels" (2016), os primeiros álbuns (ambos simples) dessa imersão de Dylan no cancioneiro dos EUA, ele já exibia Frank Sinatra como seu atual objeto de adoração.

Isso fica ainda mais evidente em "Triplicate". Apenas uma das 30 canções do álbum não foi gravada por Sinatra. A exceção é "Braggin", que figura nas antologias em ótimas versões de Harry James e Benny Goodman.

Existe um abismo sonoro entre as vozes de Sinatra e de Dylan. O primeiro é modelo para todos os cantores do planeta, a voz mais afinada de todas, a dicção mais cristalina que se escuta em discos.

O segundo é o maior poeta do rock, mas nunca cantou bem. Parecia uma gralha rouca no início da carreira e foi piorando até o presente vocal rasgado e uma dicção em que às vezes torna impossível entender uma só palavra do que está dizendo.

ESFORÇADO

Por isso, "Triplicate" surpreendente à primeira audição. Há tempos –décadas?– Dylan não cantava tão bem. Para os padrões dele, claro. Essa performance esforçada reflete sua paixão pelos projetos recentes. Nas raras entrevistas, ele enaltece esses standards como a melhor música já criada pelo homem.

O repertório tem clássicos como "Sentimental Journey", "Stardust", "The Best Is Yet to Come", "Once Upon a Time" e "As Time Goes By" –é preciso ter muita benevolência com essa versão de Dylan.

O compositor que mais vezes comparece em "Triplicate" é Jimmy van Heusen (1917-1969), autor de oito faixas do álbum. Consagrou-se como criador de trilhas sonoras para cinema. Entre 1944 e 1968, teve 14 indicações ao Oscar de melhor canção, ganhando quatro vezes o prêmio.

A produção do álbum é, novamente, de Jack Frost. Mais do que um pseudônimo, esta é uma persona adotada por Dylan para a gravação de seus álbuns. Segundo integrantes habituais de sua banda, trata-se de uma criatura que demonstra no estúdio um comportamento bem distinto do Bob Dylan cantor.

O repertório espetacular de "Triplicate" acaba gerando um álbum bem mais agradável aos ouvidos do que os dois discos anteriores de Dylan, com grandes momentos aqui e ali. Aos 75 anos, o Nobel de Literatura está cada vez melhor nessa jornada esquisita.

TRIPLICATE
ARTISTA: Bob Dylan
QUANTO: R$ 79,90 (CD TRIPLO)
GRAVADORA: Sony/BMG


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