Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Thielemans revelava alegria contagiante, quase infantil

O jazz perdeu o talento de Toots Thielemans, ícone mundial da gaita. O músico e compositor belga morreu na manhã de segunda-feira (22), dormindo em um hospital de Bruxelas, segundo sua produção. Tinha 94 anos e estava internado havia um mês, após sofrer uma queda.

Nascido em 29 de abril de 1922, em Bruxelas, Jean-Baptiste Frederic Isidore Thielemans foi introdutor da gaita de boca (ou harmônica) na cena do jazz e reinou absoluto por cerca de seis décadas.

As limitações técnicas desse instrumento não o impediram, ainda nos anos 1950, de dividir shows e gravações com expoentes do gênero. Para isso adotou a harmônica cromática (evolução da gaita diatônica, que é mais utilizada pelos músicos de blues).

Reuters/Francois Lenoir/Reuters
Belgian musician Toots Thielemans poses for a picture at Laeken Royal Castle in Brussels May 6, 2014.
O gaitista belga Toots Thielemans foi parceiro musical de Elis Regina e Miles Davis

"Quando comecei a tocá-la, na década de 1940, os músicos de Bruxelas diziam que eu devia jogá-la fora. A gaita era tratada como um brinquedo, não um instrumento de verdade", disse Thielemans à Folha, em 2007.

Antes de se popularizar como gaitista, já era reconhecido como um promissor guitarrista. Em 1950, excursionou pela Europa com o sexteto do clarinetista Benny Goodman. No ano seguinte emigrou para os Estados Unidos, onde integrou por seis anos o quinteto do pianista George Shearing.

Já atuando como solista, em 1961, lançou "Bluesette" –delicada valsa de sua autoria, em cuja gravação associou seu assobio ao som da guitarra. Gravada posteriormente por dezenas de músicos de diversos países, essa composição se tornou um clássico do jazz e jamais saiu do repertório dos shows do gaitista.

Entre tantas parcerias com jazzistas de alto quilate, como Quincy Jones, Ella Fitzgerald, Oscar Peterson, Shirley Horn ou Jaco Pastorius, o disco que Thielemans gravou com o pianista Bill Evans, "Affinity" (1979), é um trabalho um tanto esnobado na época que merece ser reavaliado.

A expressividade de sua gaita também o levou a ser convidado para gravar trilhas sonoras para filmes, como o hoje cultuado "Perdidos na Noite" (1969), além de "Os Implacáveis" (1972) e "Jean de Florette" (1986). Também participou de trilhas sonoras de programas de televisão, caso do infantil "Vila Sésamo".

Ao gravar um disco com Elis Regina ("Aquarela do Brasil", mais tarde rebatizado de "Elis & Toots"), em 1969, Thielemans expressou sua paixão pela música brasileira, interpretando canções de nomes como Ary Barroso, Tom Jobim, Edu Lobo e Egberto Gismonti.

Já em 1992, resgatou o namoro com a MPB em "The Brasil Project", álbum com canções de Ivan Lins, Djavan, Chico Buarque, João Bosco, Milton Nascimento, Gilberto Gil e Caetano Veloso, entre outros, com participações dos próprios compositores. A repercussão internacional desse disco o levou a lançar "The Brasil Project 2", no ano seguinte.

Desde 1980, quando se apresentou no Segundo Festival Internacional de Jazz de São Paulo, Thielemans retornou várias vezes ao país –a última foi em 2009, no Festival Jazz & Blues de Guaramiranga (CE). Quem teve a sorte de vê-lo tocar ao vivo sabe que, além do lirismo de sua gaita, no palco ele revelava uma alegria contagiante, quase infantil. O sorriso de Toots também vai fazer falta.

Um festival de jazz com seu nome está agendado para setembro em La Hulpe (a 25 km de Bruxelas), onde ele vivia.


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