Folha de S. Paulo


Convidado da Flip, autor mexicano tateia o presente em ficção histórica

"Morte Súbita", quinto romance do escritor mexicano Álvaro Enrigue, 46, propõe uma mescla de história e ficção usando recursos da tradição literária latino-americana –dos jogos borgeanos ao estilo narrativo de autores como Fernando del Paso, autor de clássicos da novela histórica do continente.

Pela falta de linearidade e o trabalho com fragmentos, Enrigue já foi comparado ao chileno Roberto Bolaño (1953-2003), mas o escritor rebate o comentário com uma ironia algo ressentida. "Bolaño é a única coisa que [os americanos] têm lido de literatura latino-americana ultimamente", diz à Folha, por telefone, de Nova York, onde vive.

Enrigue estará na próxima edição da Flip, que ocorre entre 29/6 e 3/7, acompanhado da mulher, a também autora mexicana Valeria Luiselli.

A obra, que venceu o Prêmio Herralde, inicia com uma inusitada partida de tênis disputada, em 1599, pelo pintor italiano Caravaggio e o poeta espanhol Francisco de Quevedo, em Roma. A bola usada no jogo havia sido fabricada com o cabelo da mulher de Henrique 8º, Ana Bolena, decapitada a seu pedido, em 1536.

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O escritor mexicano Álvaro Enrigue, autor de 'Morte Súbita' e convidado da Flip
O escritor mexicano Álvaro Enrigue, autor de 'Morte Súbita' e convidado da Flip

Numa época em que a literatura mexicana tem se concentrado mais na realidade violenta que vive o país, com o "boom" dos chamados "narco-romances", Enrigue propõe outra abordagem, mas afirma também tratar do presente.

"O século 16 foi o ensaio da globalização de hoje. Enquanto na Europa havia embates por questões de poder, religião e filosofia, no Novo Mundo destruíam-se antigas civilizações, e o mundo ia se transformando em algo que já não tinha mais espaço para o desconhecido", afirma.

De fato, o conquistador Hernán Cortés (1485-1547) aparece em outro plano do romance, em sua conquista do que hoje é o México. Enrigue crê que Cortés é um tema que sempre volta à tona quando se discute a identidade mexicana, mas a chave está no papel da indígena Malinche.

Não há explicação única para o papel da Malinche na conquista, mas o que se popularizou é que ela serviu de intérprete e auxiliou os espanhóis a conquistar e destruir os povos indígenas locais, além de ter sido amante de Cortés.

"Mexer com Malinche é mexer com a tradição de interpretação da história mexicana. Mas hoje há uma releitura em que ela é vista menos como a traidora, e mais como uma vítima. Acho que é resultado do fortalecimento do discurso feminista", diz.

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Morando nos EUA há mais de cinco anos, onde dá aulas nas universidades de Columbia e de Princeton –fato que, diz, lhe oferece uma distância que ajuda a interpretar os acontecimentos em seu próprio país–, Enrigue considera o fenômeno Donald Trump, virtual candidato republicano à Presidência, que propõe construir um muro para impedir imigração ilegal de mexicanos, "uma coisa espantosa".

Mas alerta: "Não é a primeira vez que nos confrontamos com maus governantes. No México também estamos acostumados a isso".

MORTE SÚBITA
AUTOR Álvaro Enrigue
TRADUÇÃO Sérgio Molina
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 44,90 (254 págs.)


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