Folha de S. Paulo


Tréplica: Avaliação não é pessoal, mas discute se catraca é critério de qualidade

Em sua réplica [Ilustrada, 22.out, pág. C6] à crítica "Patricia Piccinini exibe obras realistas com discurso imbecil" [18.out, pág. C8], Marcello Dantas, seu organizador, conclui seu raciocínio dando a impressão de que existe um fundo de ordem pessoal em meu texto: "sei que você não gosta de mim", escreveu.

Não é verdade. Não há nenhuma história pregressa que justifique sua afirmação. Entrevistei Dantas alguma vezes, todas de forma cordial. Contudo, essa é uma justificativa confortável para dar a impressão de que a bola preta dada à exposição em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil foi dada por alguma rixa anterior, desmerecendo assim sua crítica. A pessoa física Marcello Dantas não me interessa, apenas suas ações com caráter público.

Tampouco, em um texto crítico, é preciso, como ele sugere, "ouvir o que os autores, artistas e curadores têm a dizer". Isso se faz em reportagem, como no texto citado por ele, que escrevi há 12 anos, quando Piccinini participou de uma exposição no Paço das Artes. Dantas o aponta como elogioso. Outra inverdade. É apenas uma entrevista, sem adjetivos e com muitas declarações da artista, sem haver qualquer julgamento de sua obra.

Contudo, o que Dantas de fato tenta minimizar, e isso é o cerne de minha crítica, é a maneira como organiza suas mostras, no que ele chama de "construção de público".

É difícil mensurar até que ponto suas mostras sensacionalistas e espetaculares de fato contribuem para formar público, quando o critério de qualidade é a catraca. Trata-se de uma prática do circo, incorporada ao cinema e que hoje também faz parte das artes visuais: quanto mais bizarro, chamativo e populista, mais público. A tarefa do crítico é apontar exatamente contradições como essa.

A outra faceta dessa estratégia é o que ele chama de "simplificar códigos cifrados", e que apontei de forma explicita em meu primeiro texto como algo que ao contrário de facilitar a relação do público com a arte, torna essa relação tão banalizada que ela vira puro entretenimento.

O problema aí é quando isso é feito com verbas públicas, como ocorre com o CCBB. Segundo o site do Ministério da Cultura, a produtora de Dantas teve aprovados, via Lei Rouanet, nada menos que R$ 2,5 milhões para a mostra de Piccinini, o equivalente ao orçamento de um ano inteiro de um museu como o Lasar Segall, incluindo manutenção e programa expositivo.

Claramente, portanto, minha crítica não parte de uma questão pessoal, mas aborda políticas públicas e a necessidade de instituições como o CCBB refletirem se o critério é catraca ou qualidade.


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