Folha de S. Paulo


Parlapatões apostam no delírio em 'Até que Deus É um Ventilador de Teto'

Sentado ao volante, ao se deparar com o morador de rua que pede uns trocados no semáforo pelo qual passa diariamente, um homem se questiona: e se aquele sujeito vestido de trapos for na verdade Deus disfarçado de mendigo?

É um pouco do delírio filosófico pelo qual passa o personagem de "Até que Deus É um Ventilador de Teto", nova montagem do grupo Parlapatões, que estreia nesta semana em São Paulo.

O homem em questão (papel de Hugo Possolo) é um redator de jornal. Vive enfurnado na rotina entre escritório, trânsito e família.

Em meio ao burburinho e ao corre-corre da cidade, imagina à sua frente um anzol: uma oportunidade de fisgar aquela isca e escapar da sua realidade sufocante.

Lenise Pinheiro/Folhapress
Hugo Possolo (sentado) e Raul Barreto, do Parlapatões, em 'Até que Deus É um Ventilador de Teto'
Hugo Possolo (sentado) e Raul Barreto, do Parlapatões, em 'Até que Deus É um Ventilador de Teto'

A partir daí já não se sabe ao certo se o que o protagonista narra é realidade ou fruto de sua imaginação. Colocado frente a frente com a violência urbana, questiona o que seria para ele o mendigo (Raul Barreto). Deus ou um reflexo da discrepância social em que vive? Ou seria Deus uma coisa tão banal como o ventilador de teto do título?

"A gente não costuma falar de religião no sentido mais filosófico, da questão da existência, de pensar 'onde estou?' e 'para onde vou?'. É isso que o texto propõe", explica Possolo, que assina a dramaturgia. "Não é discutir se Deus existe ou não, mas qual o nosso lugar no mundo e o que queremos dele."

Em dado momento, o mendigo conta ao protagonista uma fábula. Mas, em vez de revelador, o final se mostra sem pé nem cabeça. Ao que o pedinte comenta: "Todo mundo procura um sentido, mas não tem sentido, não".

"Apesar de ter um pezinho no realismo [o aspecto de crítica social], a peça tem um lado bem absurdo", completa o diretor Pedro Granato.

O personagem de Possolo passa boa parte da história cercado de uma redoma de acrílico, que faz as vezes de carro, casa e escritório. É como se ele se afogasse nesse aquário, conta Granato. Ali, recebe diversos estímulos: luzes que simulam o trocar de cores de um semáforo, barulhos de engarrafamento.

"O texto é bastante fragmentado, e quisemos fazer uma leitura visual e sensorial bem forte", diz o diretor. "É uma peça bem sinestésica."

PALHAÇO

Fundado em 1991, o Parlapatões ficou conhecido por espetáculos cômicos e pelo uso da estética de palhaço. Uma linguagem bem distante do que se vê em "Até que Deus É um Ventilador de Teto", 57ª montagem do grupo.

De acordo com Possolo, essa guinada para o dramático tem a ver com a chegada da companhia à praça Roosevelt (no centro de São Paulo), há 14 anos, e o contato com outros grupos que também têm sede no local.

"Não é artístico se não arriscar", afirma o ator. "E minha história inicial com o teatro é muito ligada à poesia."

ATÉ QUE DEUS É UM VENTILADOR DE TETO
QUANDO qui. a sáb., às 21h, dom., às 19h; até 13/9
ONDE Sesc Pompeia, r. Clélia, 93, tel. (11) 3871-7700
QUANTO R$ 7,50 a R$ 25
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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