Folha de S. Paulo


Holandeses promovem invasão literária no Brasil

Parece uma reedição da Companhia das Índias Ocidentais. Dessa vez, não para quebrar o monopólio no comércio colonial, mas para introduzir um pouco de diversidade no mercado editorial.

A segunda invasão holandesa do Brasil -depois daquela capitaneada por Maurício de Nassau, no século 17- vai ocorrer entre os dias 26 e 30 de agosto em São Paulo, e de 1º a 4 de setembro no Rio. Recife e Olinda (PE), redutos da primeira invasão, não entraram na programação agora.

Organizado pela Fundação Holandesa das Letras, o Café Amsterdã já aconteceu em Milão, Munique, Madri, Barcelona, Budapeste, Praga, Buenos Aires e Pequim, e trará ao Brasil escritores como Arnon Grunberg e Tommy Wieringa para encontros dos quais também participam brasileiros (estão confirmados Daniel Galera e Michel Laub, em grade ainda não divulgada).

Sebastiano Tomada/Getty Images
Arnon Grunberg (com eletrodos na cabeça) fez experiências em hospitais psiquiátricos
Arnon Grunberg (com eletrodos na cabeça) fez experiências em hospitais psiquiátricos

Os holandeses -incluindo o poeta Arjen Duinker e a quadrinista Barbara Stok- vêm lançar livros que estão sendo traduzidos especialmente do idioma original para o evento -como "No Mar" (Cosac Naify), romance de Toine Heijmans vertido por Mariângela Guimarães, brasileira radicada em Amsterdã.

A falta de tradutores é o maior obstáculo à difusão da literatura batava. "Não existem, por exemplo, departamentos de holandês nas universidades brasileiras", comenta Tiziano Perez, diretor da fundação. "Quando não há tradutores disponíveis, indicamos as versões mais acuradas em outras línguas para servirem de base".

Prova de tal carência é o fato de Grunberg ser, dentre os convidados, o único autor de ficção adulta publicado anteriormente no Brasil. Nascido em 1971 e considerado o maior escritor de sua geração, ele é autor de "Amsterdã Blues" (Globo, 2003), relato impiedoso e com traços autobiográficos sobre o filho judeu de uma família disfuncional. Grunberg esteve com as tropas holandesas no Iraque e no Afeganistão, faz experimentos existenciais-ficcionais em hospitais psiquiátricos e já chegou a escrever com eletrodos conectados à cabeça para medir as ondas cerebrais.

Mas esse aspecto performático está mais presente em sua atuação como colunista de jornal. Na ficção, compartilha com outros escritores uma percepção desolada das relações subjetivas e familiares.

Durante o Café Amsterdã, lançará "Tirza" (Rádio Londres), em que o cotidiano de um pai divorciado, às voltas com a filha adolescente do título, contrasta de modo tragicômico a irrelevância da vida cotidiana no capitalismo avançado com a compulsão de buscar vivências mais "autênticas" na periferia do mundo (no caso, a Namíbia).

Dilemas familiares conectados a questões históricas e contemporâneas também estão presentes na ficção infantojuvenil.

São os casos de Marjolijn Hof, autora de "Um Fio de Esperança" (WMF Martins Fontes, 2010) -que traz as aflições de uma menina cujo pai partiu em missão humanitária- e, sobretudo, de "O Mundo de Anne Frank - Lá Fora, a Guerra" (Rocco), de Janny van der Molen, que reconta em linguagem delicada, para gerações desabituadas às arestas da história, a trajetória da menina judia que viveu escondida dos nazistas e que, morta aos 15 anos, deixou um diário que é o livro mais conhecido da literatura holandesa.


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