Folha de S. Paulo


Montagem reanima balé adormecido

Quando Alexei Ratmansky foi convidado para montar uma nova e opulenta produção de "A Bela Adormecida", de Tchaikovsky, para a temporada de 75° aniversário do American Ballet Theater, ele decidiu incluir alguns passos que estiveram dormentes durante um século, como a própria heroína da história.

Ratmansky aprendeu sozinho a decifrar uma forma de notação de dança há muito tempo obsoleta e que foi usada pelo mais importante coreógrafo do século 19, Marius Petipa, mestre de balé francês que trabalhou durante décadas em São Petersburgo, na Rússia, e que definiu o que hoje chamamos de balé clássico.

Ratmansky passou inúmeras horas estudando cadernos da montagem "A Bela Adormecida" feita por Petipa e que foram retirados da Rússia depois da Revolução. Hoje esses documentos estão na Biblioteca Houghton da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

No museu-teatro Bakhrushin, em Moscou, ele consultou esboços pouco conhecidos feitos por Pavel Gerdt, que dançou o Príncipe Désiré na estreia do balé em 1890, que forneciam a visão da coreografia pela perspectiva do bailarino. E se debruçou sobre fotos, desenhos e antigos filmes para tentar chegar mais perto da fonte.

O balé, que será apresentado na Metropolitan Opera House em Nova York neste ano, terá mais de 160 artistas em cena, telões pintados em Milão (Itália) e cerca de 300 pares de sapatilhas feitas sob medida.
Com uma obra tão amada quanto "A Bela Adormecida", o escrutínio é intenso.

Muitos apreciadores da arte a consideram o apogeu do balé clássico, mas muitos fãs a apreciam simplesmente como um conto de fadas, com trechos da partitura de Tchaikovsky conhecidos pelas crianças que cresceram vendo o filme de Disney de 1959.

Para o olhar desavisado, a antiga notação, conhecida como Stepanov, parece uma confusão de notas musicais, floreios, hashtags, rabiscos. Para Ratmansky, é um mapa do passado que lhe diz onde estavam os bailarinos, se seus pés estavam no chão ou no ar, na ponta ou não, com as pernas retas ou flexionadas.

"O estilo da dança era diferente", disse ele, acrescentando que, embora possa parecer menos atlético que a técnica moderna, era mais cansativo.

"Há mais passos em uma frase, sem interrupções em que a bailarina possa caminhar de um canto a outro e respirar um pouco, para então recomeçar. É tudo cheio de passos."

Se muitos passos remontam aos primeiros tempos do balé, os cenários e os figurinos da produção, feitos por Richard Hudson, vencedor do prêmio Tony, foram inspirados por outra produção reverenciada: a financeiramente fracassada, mas altamente influente, que Léon Bakst criou para os Ballets Russes de Diaghilev em Londres em 1921, que foi rebatizada de "A Princesa Adormecida".

Hudson embarcou em uma caçada por informações sobre seu material-fonte que o levou a vários continentes. Ele contratou um pesquisador para descobrir o que fosse possível aprender sobre os notáveis desenhos de Bakst.

Em um golpe de sorte incrível, o fato de a produção de Diaghilev ter fracassado pode ter ajudado a preservar, em parte, o material.

"Ele faliu, por isso os cenários e figurinos foram apreendidos", disse Hudson. Um tesouro de trajes e esboços da produção acabaram em museus como o Victoria e Albert em Londres e a Galeria Nacional da Austrália.
Muitos figurinos da nova produção foram feitos na Itália; o balé é uma coprodução com o Teatro alla Scala de Milão.

Hudson deixou claro que, embora tenha se inspirado na produção dos Ballets Russes, não tentou recriá-la. "Acho que se quiséssemos recriar o balé não daria certo", disse ele. "Tudo mudou. As formas das bailarinas mudou; hoje elas têm pernas mais longas. A iluminação é muito mais sofisticada do que na época. Não acho que funcionaria. Por isso, apenas peguei os elementos que me inspiraram, reorganizei tudo e mudei algumas cores."

O bailarino Marcelo Gomes, que fará o papel do Príncipe Désiré, disse que foi preciso se esforçar para apresentar um balé tão conhecido em um novo estilo de dança. "Tivemos de reaprender muitas coisas", disse. "Para mim, parece mais próximo do conto de fadas que imaginamos como 'A Bela Adormecida'."

Uma produção de 1999 do Balé Mariinsky tentou recriar a produção de 1890, baseando-se parcialmente na notação de Stepanov, e durava quase quatro horas.

A versão de Ratmansky será mais curta e incluirá vários passos que foram acrescentados depois -como as pescadas-, para que o espetáculo se encaixe melhor com os cenários e figurinos inspirados nos de 1921.
"É um contraponto muito interessante desses diferentes estilos", disse o coreógrafo.


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