Folha de S. Paulo


Crítica: Planeta Marte é atacado a golpes de escotismo em livro do americano Andy Weir

Num futuro próximo, a terceira missão tripulada a Marte pousa no planeta. Uma tremenda tempestade de areia, porém, obriga os viajantes a abortá-la. Durante os preparativos para partir, ocorre um acidente: um dos astronautas morre na superfície inóspita. Na pressa, os colegas deixam seu corpo para trás.

Acontece que a vítima não morreu. Recupera-se do ferimento para se ver sozinho a milhões de quilômetros da Terra, sem nave, suprimentos nem rádio. Nas 336 páginas seguintes, o norte-americano Andy Weir relata seus engenhosos esforços para sobreviver, intercalados com a frenética campanha na Terra para resgatá-lo.

NASA/JPL-Caltech/MSSS
Sinais de sedimentos de um lago em Marte fotografados nesta sexta (26) pelo jipe-robô Curiosity
Sinais de sedimentos de um lago em Marte fotografados nesta sexta (26) pelo jipe-robô Curiosity

O leitor logo se depara com dois obstáculos na narrativa de Weir. Aficionado por viagens espaciais, o autor estreante trabalha desde adolescente como programador de computadores. Seu livro, publicado na internet em 2011, chamou atenção pelo virtuosismo tecnológico. Parece que tudo, neste "Perdido em Marte", é plausível como ciência.
Plausível e exaustivo. É tamanho o acúmulo de informações técnicas, de siglas e dos "entediantes cálculos", como reconhece o autor, a entupir o livro, que é difícil não saltar
páginas.

Alfred Hitchcock dizia que toda trama de suspense precisa de um "MacGuffin", gíria para um mistério técnico qualquer em torno do qual as personagens correm. Pode ser um dispositivo nuclear ou um diamante raríssimo, tanto faz; crucial para as personagens, é irrelevante para nós. Andy Weir quer explicar cada um de seus MacGuffins.

O outro obstáculo é que seu senso de humor estacionou na pré-adolescência. Ninguém espera que a ficção científica apresente tipos com espessura literária, mas eles não precisam ser os escoteiros crescidos de Andy Weir. Seu narrador repete "Ufa!" a cada dificuldade vencida e "Drooooga!" na seguinte. Em meses passados no espaço, há menção a muita escatologia mas, num recato bem norte-americano, a quase nenhum sexo.

Perdido em Marte
Andy Weir
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Quando nos acostumamos, porém, a saltar siglas e cálculos, o livro ganha fluência. Até as personagens cativam com sua desabusada ingenuidade. Falou-se em Robinson Crusoe, mas o protagonista de Andy Weir lembra os exploradores de Julio Verne, impassíveis diante da pior contrariedade, imbatíveis ao imaginar soluções de engenharia.

Uma versão para o cinema, filmada pelo inglês Ridley Scott, será lançada em 2015. Na renovação que fez no gênero há mais de 30 anos, com filmes como "Alien, o 8º Passageiro" e "Blade Runner, Caçador de Androides", Scott trouxe tramas existenciais, atmosferas passadistas, personagens roídos por dilemas. Refestelado agora no sucesso comercial, tudo indica que fará de "Perdido em Marte" mais um espetáculo tecnológico cintilante e vazio como o espaço sideral. É o que o livro pede.

PERDIDO EM MARTE
AUTOR Andy Weir
TRADUÇÃO Marcello Lino
EDITORA Arqueiro
QUANTO R$ 39,90 (336 págs.)
AVALIAÇÃO regular


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