Folha de S. Paulo


Livro 'Dataclisma' busca retratar vida digital como ela é

Guitarrista da banda independente Bishop Allen e ator eventual no cinema indie americano, Christian Rudder é antes de tudo o matemático de Harvard que fundou e preside a rede social OkCupid, de encontros e sexo.

E é o autor de "Dataclysm" (Crown, 304 págs., de R$ 18 a R$ 43, importado) —ou "Dataclisma"—, que sai em março no Brasil pela editora Best Seller. De texto irônico e acessível, busca retratar a vida digital como ela é, segundo o "big data" —grandes dados— não só de sua rede, mas de Google, Reddit e outros.

Agrega dados comezinhos, como a confirmação de que as mulheres sempre buscam homens mais ou menos de sua idade, enquanto os homens buscam mulheres de 20, 21, 22, por toda a vida.

Ou ainda, a partir das listas do que os usuários brancos, negros e outros mais escutam, aponta ironicamente a banda Belle & Sebastian como a "menos negra" de todas —embora não falte quem diga o mesmo sobre a Bishop Allen.

Chester Higgins Jr./The New York Times
O matemático Christian Rudder, autor do livro 'Dataclisma'
O matemático Christian Rudder, autor do livro 'Dataclisma'

Questionado sobre o dado mais significativo que achou nos três anos de pesquisas, Rudder diz que foi algo tirado do Google Ngram: as pessoas escrevem cada vez mais sobre o presente e se esquecem mais rápido do passado.

O Google Books Ngram Viewer é uma ferramenta que aponta ano a ano, ao longo de séculos, a proporção de menções de palavras ou frases em livros em inglês, chinês e outras (português, não).

"É um vislumbre do zeitgeist", do espírito da época, diz. "Mas não sei o que resultará daí. O livro visa mostrar o que ocorre e não dar previsões malucas ou conselhos."

Rudder diz não achar o fenômeno "preocupante" para a cultura, até porque já vinha se acentuando. Mas lamenta: "As pessoas esquecendo o passado é algo que me entristece, porque amo história".

RACISMO

O livro tem por ambição dar continuidade à "democratização" da história iniciada por "A People's History of the United States", de 1980, a história do povo dos EUA pelo engajado Howard Zinn (1922-2010).

Mas "Dataclisma" começou mal nessa direção ativista. As maiores críticas são aos trechos sobre racismo, como ao afirmar que mulheres negras no OkCupid recebem 25% menos mensagens que outras, expondo o racismo americano, segundo o autor.

Nada disso, dizem os críticos, apontando a rede como um concurso de beleza –e questionando o próprio rigor científico do livro, pelos dados coletados para fins comerciais e que não poderiam ser neutralizados para tirar conclusões culturais.

Rudder se defende: "Foi por isso que usei fontes diferentes, que corroboram umas às outras. Os dados são o que são. Não é laboratório, é o que acontece lá fora". Diz que tudo o que toca em racismo nos EUA acaba em controvérsia.

Voltado ao lançamento do livro, Rudder perdeu a turnê da Bishop Allen, banda que criou com um amigo de Harvard, conhecida pelo filme "Nick e Norah —Uma Noite de Amor e Música" (2008).

"Sinto falta do dia a dia de festa com a banda", lamenta, falando por telefone de sua casa, em Nova York.

Sobre atuar no cinema, afirma que é coisa ainda mais acidental. "Definitivamente não sou ator. Andrew Bujalski, o diretor de Funny Ha Ha' [2002], por acaso era meu colega de quarto na faculdade e me colocou no seu filme."

A interpretação amadora de Rudder e demais em "Funny Ha Ha", que entrou na lista dos melhores filmes daquele ano no "New York Times", acabou por designar o novo gênero indie Mumblecore, de personagens balbuciantes.


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