Folha de S. Paulo


Philip Seymour Hoffman, um ator complicado, em seus dias finais

Um pai que levava os filhos a um playground em Greenwich Village. Um homem desalinhado esperando ao lado do caixa automático de uma mercearia, retirando a mesma quantia, US$ 200, repetidamente, ao longo de uma hora. Um cara que enviou um SMS ao amigo convidando-o para assistir ao jogo do New York Knicks em seu apartamento.

A mensagem de texto talvez seja a última comunicação conhecida de Philip Seymour Hoffman, cujos dias e horas finais foram uma mistura complicada e trôpega de trabalho, relacionamentos sociais, compras furtivas de drogas e, por fim, o que parece ter sido uma overdose fatal de heroína. O corpo dele foi encontrado, já frio, na manhã de domingo, no chão do banheiro de seu apartamento, com uma agulha ainda espetada no braço.

Hoffman, de acordo com todos os relatos, morreu como um viciado, com os curtos períodos de normalidade em sua vida interrompidos por surtos de comportamento errático. Rodar um filme de grande orçamento. Reuniões de trabalho. Jogos de basquete. Bebedeiras. Compras de drogas.

Para um homem que morreu sozinho aos 46 anos, sua jornada nada teve de privada. Ele servia como uma espécie de embaixador para o Greenwich Village, e era visto sempre pelos vizinhos empurrando um carrinho de bebê, fumando um cigarro na entrada de um prédio ou orientando um turista perdido. Em resumo, um nova-iorquino comum - mas com uma estatueta do Oscar para decorar sua estante.

Os dias finais dele não foram diferentes. Hoffman nada tinha de recluso. As pessoas o viam em toda parte no Village, e em outros lugares. O retorno de Hoffman, aparentemente bêbado, depois de uma viagem a Atlanta, onde ele estava filmando o novo filme da série "Jogos Vorazes", na semana passada, não passou despercebido, e testemunhas contam tê-lo visto em dois aeroportos diferentes naquele dia.

Ele parecia reticente e amarfanhado, em sua última aparição pública, para promover os filmes "God's Pocket" e "A Most Wanted Man", no festival Sundance, em Utah, no dia 19 de janeiro. Mas amigos dele mais tarde apontariam para o fato de que Hoffman muitas vezes tinha aquela cara de quem havia passado a noite toda na farra, mesmo que tivesse acabado de acordar de uma boa noite de sono.

No Sundance, um editor de revista que não o reconheceu de imediato perguntou o que ele fazia. "Sou viciado em heroína", disse Hoffman. Mas em outras aparições, ele se comportou de seu modo habitual.

"Eu o vi e disse oi", conta Howard Cohen, presidente da Roadside Attractions, a distribuidora que tinha levado "A Most Wanted Man" para o festival. "Ele foi muito cortês e amistoso, e disse que estava feliz por promover o filme. Foi uma interação completamente normal". Em outros momentos do festival, Hoffman disse que não andava tendo muito tempo para ver filmes, mas disse que tinha gostado de "Frozen", que viu com os filhos.

Ele voltou a Nova York, onde morava em um apartamento alugado na rua Bethune, depois de ter deixado a casa onde antes vivia com a companheira, Mimi O'Donnell, e os três filhos do casal, na rua Jane.

Hoffman admitiu uma recaída nas drogas, em uma reunião da Narcóticos Anônimos em dezembro, quando o líder perguntou se os presentes estavam contando seu tempo sem drogas em termos de anos, meses, semanas ou dias. Hoffman disse que "estou contando dias", de acordo com uma pessoa que estava presente mas pediu anonimato devido às regras do grupo.

"Ele levantou a mão, disse seu nome e que estava sóbrio há 28 ou 30 dias", a pessoa disse. Hoffman estava de barba feita e bem vestido. "Ele parecia ótimo, completamente, completamente normal".

Era uma luta que ele encarava com seriedade. "Phil passou mais de 25 anos sóbrio", disse David Bar Katz, dramaturgo e amigo do ator, uma das duas pessoas que descobriram sua morte. "Opunha-se a todos os aspectos do uso de drogas".

No final daquela semana, em 25 de janeiro, a escritora Tatiana Pahlen estava saindo da Associação Cristão de Moços da rua 92 depois de nadar quando encontrou Hoffman, que estava lá para apanhar um dos filhos, no elevador. Os dois haviam sido apresentados dois anos antes, quando ele fez uma leitura no Joe's Pub, em uma festa da revista "Lapham's Quarterly". Uma nova leitura aconteceria dali a dois dias.

"Perguntei se ele estaria conosco na segunda-feira", conta Pahlen, "e ele respondeu que não, que estaria em Atlanta". Ela disse que o ator parecia feliz, "se bem que um pouco agitado", e diz que "sua pele não parecia saudável; sua pele parecia péssima".

Ele chegou a Atlanta na semana passada para filmar cenas do último filme da série "Jogos Vorazes", que deve sair em 2015. Um freguês fotografou Hoffman sentado em um bar no centro de Atlanta, mas a foto não permite determinar o que havia em seu copo.

Quando ele voltou de Atlanta, sua condição era tal que Theresa Fehr, executiva de seguros que trabalha em Houston, achou que ele fosse "um morador de rua".

Fehr, como o ator, estava voltando para casa de Atlanta, naquele dia. Ela viu um homem —sem perceber, àquela altura, que se tratava de Hoffman— sendo conduzido a um posto de controle por uma agente da Administração de Segurança nos Transportes. "Pensei que era estranho um morador de rua estar no aeroporto", ela disse. "Ele colocou seus sapatos na correia transportadora, e depois jogou o cinto lá. Era perceptível que estava embriagado".

Ela diz que comentou com a agente de segurança: "Que engraçado, ele se parece com aquele ator de três nomes". "E a agente olhou pra mim e disse que sim, era ele. Ele estava tentando colocar o cinto. As calças dele estavam para cair, e sua barriga estava para fora. Eu disse, 'cara, espero que você não perca as calças', e ele olhou para mim como se estivesse atordoado, com olhos mortiços", ela conta.

Depois do voo até o aeroporto La Guardia, durante o qual ele foi fotografado, de novo por um desconhecido, largado em sua poltrona, Hoffman foi transportado do portão à saída do terminal por um carrinho elétrico.

"Ele passou por mim e minha noiva", conta Andrew Kirell, editor do blog Mediaite, que cobre assuntos de mídia. "Sua aparência estava péssima". Kirell reconheceu o ator de imediato. "Minha noiva e eu éramos grandes fãs dele".

Pela manhã de sábado, Hoffman parecia ter voltado ao normal, aparecendo para apanhar seu pedido regular - um café expresso quádruplo - no Chocolate Bar. Artistas de teatro que conversaram com ele na semana passada disseram que estava pensando sobre futuras possibilidades de filmes e uma série para o canal Showtime. Ele teria de voltar a Atlanta na semana seguinte. Katz, o amigo dramaturgo de Hoffman, havia enviado um SMS ao ator para marcar um de seus frequentes jantares de filé e café, antes de sua nova viagem.

Mais tarde naquele dia, Hoffman se encontrou com O'Donnell e os filhos do casal em um playground, disse um executivo de teatro que falou sob a condição de que seu nome não fosse revelado, já que estava falando de atividades privadas da família do ator. A polícia mais tarde informou que O'Donnell descreveu Hoffman como chapado, quando falou com ele mais tarde no sábado.

Por volta das 17h, Paul Pabst, produtor executivo do "Dan Patrick Show", um programa de esporte, estava caminhando pelo Village com pessoas de sua família quando viu Hoffman. A irmã dele chamou o ator, que a cumprimentou com um high five. "Minha irmã me olhou e disse que ele não parecia nada bem", disse Pabst mais tarde no programa. "Ele parecia bem desnorteado".

Hoffman jantou por volta das 19h30min no Automatic Slim, um popular bar do West Village que ele frequentava regularmente, em companhia de dois outros homens. O bar fecharia para uma festa particular às 21h30min, mas Hoffman já tinha saído, àquela altura.

A polícia diz que ele sacou US$ 1,2 mil no caixa automático da mercearia D'Agostino, perto de seu apartamento, em seis transações de US$ 200 cada. Havia intervalos de alguns minutos entre cada transação, e o processo todo demorou cerca de uma hora.

Hoffman enviou um SMS ao amigo Katz às 20h44min daquele dia, convidando: "Quer assistir o segundo tempo do jogo do Knicks na Bethune?", diz o dramaturgo.

Às 20h58min, Hoffman enviou outro SMS: "Tipo às 10:15".

Mas Katz contou que só viu o convite mais de uma hora depois. Às 23h30min, depois de ver as mensagens, Katz enviou um SMS a Hoffman: "Saindo pra jantar. Cadê você?"

Não houve resposta.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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