Folha de S. Paulo


Ícone do cinema brasileiro, Helena Ignez está em peça em SP ao lado de filha e genro

Helena Ignez conduz a descida de August Strindberg ao inferno no espetáculo "O Livro da Grande Desordem e da Infinita Coerência", em cartaz até domingo (22).

Protagonista de experimentações de Glauber Rocha e Rogério Sganzerla que revolucionaram o cinema brasileiro nos anos 1960 e 1970, a atriz surge em cena despida de máscaras. Não dá corpo a nenhum dos personagens presentes no palco, extraídos das obras que inspiram o espetáculo de André Guerreiro Lopes: a peça "Um Sonho" e o livro de cunho autobiográfico "Inferno", ambas do autor sueco nascido em 1849 e morto em 1912.

Helena Ignez surge no tablado como Helena Ignez. "Queria a persona de Helena em cena, sua força, ironia e performatividade", diz o diretor, que também atua interpretando o próprio Strindberg.

A artista derrama sobre o palco a mesma tinta de subversão e ironia que colore sua vida e ficou impressa em sua obra cinematográfica.

A busca por experimentação que orienta a carreira de Ignez é tema de "O Livro da Grande Desordem e da Infinita Coerência". O espetáculo retrata um momento de suspensão de Strindberg, quando o autor sueco considerado pai do teatro moderno abandona sua zona de segurança e se lança num exílio voluntário de destino incerto para investigar o sentido oculto da existência e do mundo.

O percurso desse homem reflete a trajetória de artistas que abriram caminhos norteados pelo desejo de descoberta e reinvenção.

Ignez não está sozinha nesta rota. Se esteve acompanhada de Sganzerla (1946-2004) no início de sua carreira artística, seu companheiro de vida e obra durante mais de 30 anos, agora tem a filha (a atriz Djin Sganzerla) e o genro (o ator e diretor André Guerreiro Lopes) como parceiros.

A união artística já contabiliza mais de uma dúzia de filmes e peças teatrais em conjunto.

Segundo Djin, a parceria se deu sobretudo por necessidade. "Compartilhamos sonhos e inquietudes", afirma ela. "Nossa busca como artistas por uma arte de ruptura e invenção nos aproxima. Sempre que possível cruzamos nossas trajetórias", completa Lopes.

ATRÁS DAS CÂMERAS

O papel de Helena Ignez em "O Livro da Grande Desordem e da Infinita Coerência" é metáfora de sua pesquisa no teatro e também no cinema --no passado como atriz e há quase uma década também como cineasta.

"Questões essenciais do ser humano como 'quem sou eu?', 'de onde viemos?' e 'para onde vamos?' sempre me mobilizaram. Ainda pautam minha vida, mas hoje me sinto mais conformada com o fato de que talvez nunca obtenha estas respostas", afirma Ignez.

Desde a morte de Sganzerla, em 2004, sua carreira de diretora despontou. "Rogério era o motor principal desta arte. Foi uma maneira de me aproximar dele, uma forma válida de consolo", diz a artista, que dirigiu, entre outras obras, "Luz nas Trevas" --continuação de "O Bandido da Luz Vermelha", marco do cinema brasileiro dos anos 1960, dirigido pelo cineasta.

Ignez se prepara para apresentar dois novos filmes, ambos selecionados para o Festival do Rio, que se inicia na semana que vem, e para a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, prevista para outubro: "Feio, Eu?" e "Poder dos Afetos".

O primeiro é um ensaio sobre o culto à feiura, definido pela cineasta como uma obra manifesto. Misto de ficção e documentário, o filme foi realizado a partir de uma oficina para atores ministrada por Ignez intitulada "Personagens em Busca de Um Filme". É produzido com diversas mídias de captação de imagens e tem linguagem multifacetada, como um caleidoscópio.

O desejo de misturar vertentes estéticas também dá o tom de "Poder dos Afetos", média metragem protagonizado por Ney Matogrosso, Djin Sganzerla e Simone Spoladore, entre outros.

Nele, Ignez põe em xeque padrões de comportamento e de relações amorosas no mundo atual. A artista acredita que não só na arte é preciso se reinventar. No amor também.

A recente produção de Ignez no palco e no cinema espelha seu atual momento de vida. "Perdi o medo da morte. E não há nada mais libertador do que a falta de medo", confessa a artista.

O LIVRO DA GRANDE DESORDEM E DA INFINITA COERÊNCIA
QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; até 22/9.
ONDE Sesc Santana (av. Luís Dumont Villares, 579; tel. 0/xx/11/ 2971-8700)
QUANTO R$ 24
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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