Folha de S. Paulo


Questões legais levaram a ausências notáveis em antologia de poesia brasileira

Quando o Ministério da Cultura desistiu de apoiar o projeto "Poesia.Br", no início do ano passado, o poeta Sergio Cohn já tinha começado a contatar autores e herdeiros para garantir os direitos autorais dos poemas que pretendia incluir na antologia.

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O projeto do governo incluía, além do site, uma edição em livro a preço popular, e foi com essa ideia em vista que Cohn negociou valores.

"A meta era vender cada livro a R$ 8,90, com a caixa a R$ 89. Muitos dos autores tinham topado entrar justamente pela ideia de integrar uma edição popular. Acho que o fato de esse volume estar vivo comercialmente mostra que dá para baixar o preço do livro no Brasil", diz.

Luciana Whitaker/Folhapress
O poeta e editor Sergio Cohn, organizador da antologia
O poeta e editor Sergio Cohn, organizador da antologia

Conseguir a autorização de autores vivos foi mais fácil que fazê-lo via editora e herdeiros, diz Cohn. Com isso, a seleção sofre ausências notáveis, em especial nos livros "Modernismo" e "1940-1950".

Faltam, por exemplo, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira e Cecília Meireles, por falta de consenso com os detentores dos direitos.

A editora LeYa não autorizou a publicação de poemas de Manoel de Barros. A Companhia das Letras limitou a dois os poemas de José Paulo Paes e Mário Faustino --como tinha um padrão de mais poemas por poetas, Cohn preferiu deixá-los de fora.

"A ausência de grandes nomes enfraquece o conjunto. Os herdeiros deveriam ter vergonha na cara e participar da vida cultural do país e não apenas pensar no próprio bolso", diz Heitor Ferraz, um dos 16 poetas do volume "1990", junto a nomes como Josely Vianna Baptista, Augusto Massi e Antonio Cicero.

APRESENTAÇÕES

Entre os vivos, o único a se recusar a participar foi Carlito Azevedo. "Na época eu estava em crise com a ideia de poesia. Hoje não teria problema algum em aceitar participar", disse ele à Folha.

Para compensar as ausências, Cohn buscou mencionar os poetas cujos direitos não conseguiu e publicar trechos de poemas nas apresentações de cada edição.

Sergio Cohn e Carlito Azevedo têm em comum a atuação em duas das mais importantes revistas dedicadas à poesia nos anos 90, a "Azougue" (que virou editora em 2000) e a "Inimigo Rumor", respectivamente.

Para o crítico literário Ítalo Moriconi, destacado entre os 16 poetas do volume "1980", como Glauco Mattoso, Alice Ruiz e Arnaldo Antunes, Cohn seguiu, na seleção para a antologia, o modelo que privilegiava na revista dos anos 90 e na editora que comanda atualmente.

"São escolhas coerentes com o tipo de perspectiva assumido pela Azougue desde sempre, de questionar as opções canônicas da crítica literária dominante, particularmente a universitária, por um viés eclético, que chamei de 'vanguarda retroflexa'", diz.

A vanguarda, ele diz, aparece tanto na inclusão dos cantos ameríndios como nos poetas de influência beatnik, como Roberto Piva e Claudio Willer, resgatados por Cohn nos anos 1990 e agora presentes no volume "1960".

ALTOS E BAIXOS

O ponto alto da antologia, para todos os especialistas ouvidos pela Folha, é justamente a inclusão dos cantos ameríndios, traduzidos por nomes como Pedro Cesarino, Daniel Bueno e Antonio Risério.

"Outro ponto relevante foi acompanhar década a década a produção do século 20, que é quando a poesia brasileira se tornou mais densa", afirma o crítico literário e colunista da Folha Manuel da Costa Pinto.

Para Heitor Ferraz, essa divisão, "misturando datas e movimentos literários", é questionável. "Criou ruídos interessantes, mas discutíveis no conjunto do livro", ele diz, não sem destacar
"a seriedade do trabalho" do organizador.

Embora avalie positivamente a antologia como um todo, Costa Pinto vê como ponto fraco o volume referente ao período colonial.

"Há uma concentração excessiva num volume só, de barroco, arcadismo. São momentos independentes, e não há uma discussão de fundo sobre se existiu ou não um barroco no Brasil."

Mas, embora note ausências, como Nelson Ascher e Affonso Ávila, contemporiza. "Falar em ausências em antologias é uma crueldade. Identificar lacunas é um dever de quem lê criticamente, mas não desmerece o trabalho de quem fez", diz.

POESIA.BR
ORGANIZADOR Sergio Cohn
EDITORA Azougue
QUANTO R$ 89 (10 volumes)
LANÇAMENTO quarta-feira, dia 10, às 19h, na Casa das Rosas, em São Paulo


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