Folha de S. Paulo


Administrador do Municipal fala sobre transformação do teatro em fundação

O novo diretor administrativo do Theatro Municipal de São Paulo, José Luiz Herencia, 36, afirma o sistema de vendas de assinaturas para temporadas será reativado em breve e que estuda a criação de fundo permanente para captar recursos privados.

Segundo ele, a maioria das fundações brasileiras não gerem nada além de seu patrimônio (acervos e edifícios, por exemplo), muitas vezes porque faltam estímulos para doações para fundos permanentes que "garantam a manutenção de instituições artísticas e culturais."

Sobre o processo em curso de transferência da administração do teatro das mãos da prefeitura para uma fundação, Herencia diz que a criação de conselhos deliberativo e fiscal terão a função de garantir a transparência da gestão.

Eduardo Anizelli/Folhapress
José Luiz Herencia no Museu da Língua Portuguesa, em SP
José Luiz Herencia no Museu da Língua Portuguesa, em SP

A mudança do modelo de administração do Theatro Municipal teve início em maio passado, após a sanção da lei municipal que institui a fundação.

Os defensores desse tipo de gestão indireta apontam a flexibilidade administrativa para contratar funcionários e fazer contratos como um de seus principais benefícios, em contraponto a amarras administrativas da gestão direta pelo poder público.

Para Herencia, a fundação é um "ponto de partida melhor do que a situação anterior", "talvez até pelo simples fato de jogar luz sobre as dificuldades históricas da instituição".

Antes de assumir o cargo no Theatro Municipal, Herencia foi secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura (2008-10) e coordenador de fomento e difusão da Secretaria de Estado da Cultura (2011-12).

Leia abaixo a íntegra da entrevista concedida nesta quarta (6) à Folha:

Folha - O sr. considera o modelo de gestão a partir de uma fundação melhor do que o atual, que é a administração direta por parte do poder público?

José Luiz Herencia - Uma fundação pode sim criar um ambiente de governança e gestão melhor do que o regime anterior, em que o Theatro Municipal era apenas um departamento da Secretaria Municipal de Cultura, amplamente dependente e subordinado do ponto de vista de sua administração. Hoje, na qualidade de fundação de direito público, o Theatro Municipal de São Paulo está alinhado com as diretrizes da política cultural formuladas pela secretaria, mas tem autonomia para gerir suas atividades artísticas e sua rotina administrativa, dentro das previsões legais e orçamentárias. Precisamos reconhecer o esforço do ex-secretário Carlos Augusto Calil [2005-2012] em aprovar a lei que cria a fundação, com o registro de que esse esforço nos legou o desafio de implementá-la, tarefa que estamos enfrentando agora.

Como está o processo de criação da Fundação Theatro Municipal?

A lei que criou a Fundação Theatro Municipal de São Paulo foi sancionada em maio de 2012. Todavia, apenas com a nomeação da então diretora-geral, em 19 de dezembro passado, a fundação passou a existir de fato, com tudo o que isso implica, tanto em termos de autonomia quanto de responsabilidades; embora sem o tempo de transição desejável para o reestabelecimento de equipes, contratos, rotinas técnicas e administrativas. A Secretaria Municipal de Cultura está trabalhando, neste momento, na constituição dos conselhos deliberativo e fiscal, o que é indispensável para que a fundação atue com transparência. Nesse aspecto, optamos por criar o ambiente de gestão necessário sem cometer a imprudência de fechar o teatro; ou seja, sem punir a população. O maestro John Neschling [atual diretor artístico do Theatro Municipal], inclusive, vai anunciar no próximo dia 18 de fevereiro a temporada oficial de 2013, bem como um programa permanente de transparência que chamaremos de "Portas Abertas", em que todas as dependências e instalações do Theatro Municipal, a cada 90 dias, serão abertas para a imprensa e população, como alguns teatros europeus costumam fazer. Criaremos também uma ouvidoria do Theatro Municipal, uma interface de diálogo com o público, capaz de receber e encaminhar críticas e sugestões, sempre bem-vindas.

O filósofo e colunista da Folha Vladimir Safatle, um dos responsáveis pela formulação do programa de governo do prefeito Fernando Haddad, afirma que o processo de criação de uma fundação para o Theatro Municipal "foi feito na calada da noite, sem debate com a sociedade, sem que se saiba o que está ocorrendo". Segundo ele, "ninguém quer criar uma situação de anomia jurídica; o que não dá é criar uma situação meio de sequestro, um 'já foi feito, se mexer, fica pior'; é quase uma chantagem". Como o sr. recebe essas impressões?

A crítica atribuída a Vladimir Safatle, que tem sido um importante parceiro de reflexão sobre as dificuldades e desafios do Theatro Municipal, é dura, mas responsável com a instituição. Ele tem a compreensão de que qualquer ajuste que eventualmente precise ser feito não pode desconsiderar que uma lei foi aprovada e está em vigor. E que é essa lei que estabelece os parâmetros institucionais de nosso trabalho atual. Nada tenho a comentar sobre o processo de aprovação da lei vigente, embora reconheça que lei alguma deva ser tratada como um monolito impenetrável; muito ao contrário. Se a sociedade e a instituição perceberem que é preciso aprimorá-la, vamos trabalhar politicamente com essa finalidade. Mas a criação da fundação, embora incompleta, nos trouxe --volto a dizer-- para um ponto de partida melhor do que a situação anterior, ainda que não tenha sido possível planejar a transição para o modelo atual, ou talvez até pelo simples fato de jogar luz sobre as dificuldades históricas da instituição, o que é saudável.

Quais são as principais diferenças entre o modelo em implantação para o Theatro Municipal, de fundação de direito público, para o modelo de gestão da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), uma fundação de direito provado? O poder público terá mais poder no modelo do Theatro Municipal?

Em ambos os casos é necessário que direções executivas competentes e projetos artísticos claros atuem sob a governança de conselhos fortes e comprometidos, capazes de comunicar com transparência o projeto institucional para a sociedade. Em nosso caso, a participação do poder público na governança da instituição é garantida por lei, pela sua própria natureza. Entendemos que as duas instituições atuam em harmonia com o interesse público e as diretrizes da política cultural de seus governos, a quem cabe (em nosso caso, por determinação legal; no caso da Osesp, por exigência contratual) definir e acompanhar metas para nossas atividades. E os dois casos são objetos, naturalmente, de acompanhamento por parte do Ministério Público, além dos demais órgãos de controle.

O ex-secretário municipal da Cultura de São Paulo Carlos Augusto Calil diz que não conseguiu implementar a fundação porque, entre outros motivos, ela trará um aumento de gastos com pessoal. Haverá um aumento do orçamento após a criação da fundação?

Os contrastes da estrutura funcional do Theatro Municipal são enormes, e acumularam-se por décadas soluções frágeis e visivelmente provisórias. Essa questão precisa ser enfrentada definitivamente, com determinação --mas sobretudo com diálogo e cautela. Devemos planejar uma transição de médio prazo, que exige a realização de uma série de negociações trabalhistas, acordos coletivos etc. Assumimos o compromisso de enfrentar o problema, que é uma obrigação da instituição e do gestor público.

A peça orçamentária não é uma abstração, e para melhorá-la precisaremos atuar de maneira consistente. Estamos trabalhando com o objetivo de racionalizar os custos de manutenção do Theatro Municipal, e sobretudo da Praça das Artes, cujas atividades terão início em março deste ano com a abertura do ano letivo das escolas de música e dança, com mais de 1.200 alunos. A área administrativa da fundação deixará o prédio histórico da praça Ramos na última semana de fevereiro, o que é bastante razoável, assim que finalizarmos os ajustes necessários na obra da Praça das Artes (infiltrações, reparo de bombas, elevadores, sinalização etc.), com o objetivo de garantir a segurança e o conforto do público e das equipes que utilizarão o equipamento diariamente.

Anunciaremos a temporada de 2013 e em breve reativaremos o sistema de venda de assinaturas, mas estamos também fazendo uma revisão na política de cessão do Theatro Municipal, que precisa ser mais abrangente e rigorosa. Vamos buscar parcerias diretas, com os instrumentos disponíveis atualmente, tanto com o governo federal quanto estadual - e naturalmente com o setor privado, numa relação contemporânea.

Estruturalmente, e isso é prioritário, iniciamos os estudos para a constituição de um fundo permanente para o Theatro Municipal. Há, no Brasil, uma excentricidade: a maioria de nossas fundações não gere fundo algum, além de seu patrimônio (acervos, edifícios). Não há, em nosso país, qualquer tipo de estímulo para a doação, por pessoas físicas ou jurídicas, para fundos permanentes que garantam a manutenção de instituições artísticas e culturais, e nem mesmo para instituições educacionais, como os chamados endowments, largamente adotados nos Estados Unidos e na Europa. Mesmo a Lei das Sucessões, no Brasil, não estimula a doação de parte dos tributos sobre o patrimônio herdado. A cada dia, aliás, novas fortunas se formam sem que sejam estimuladas a deixar um legado para o país. Em resumo: fomos convidados pelo secretário municipal da Cultura de São Paulo, Juca Ferreira, para desenvolver um projeto de excelência artística lastreado por uma gestão também pautada pelos valores contemporâneos de transparência, eficiência, diálogo e responsabilidade. Ou seja, por uma governança também de excelência. E não existe contradição entre promover a excelência e transformar o Theatro Municipal em uma instituição democrática e acessível. Queremos que o Municipal seja um orgulho para a população da cidade. E a Praça das Artes, uma importante referência da arquitetura brasileira contemporânea no centro da maior metrópole da América Latina, é parte decisiva desta estratégia.


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