Folha de S. Paulo


Raridade no futebol, atletas e técnicos que não falam palavrão se explicam

O palavrão é uma instituição no futebol, seja dentro de campo ou nas arquibancadas. É tão comum que não precisa nem ser uma manifestação de raiva. Uma das frases mais usadas pelos atletas na alegria de celebrar um gol é: "Eu sou foda!"

No entanto, alguns jogadores e treinadores vão contra essa corrente. Apesar de viverem o dia a dia dos clubes de futebol, não abrem a boca para dizer um palavrão sequer, dentro ou fora de campo.

"O certo é ninguém falar palavrões. Não acrescenta nada, é falta de educação e desrespeito. Tenho minhas alternativas, como 'puxa vida' e 'caramba'", afirma o técnico Doriva, ex-comandante do São Paulo que atualmente está desempregado.

Ele mesmo cai na risada ao citar as expressões que usa como opções às de baixo calão. Sabe ser quase um extraterrestre no futebol por isso.

O técnico do Audax, Fernando Diniz, por exemplo, chega a impedir a imprensa de acompanhar os treinos do seu time porque sabe que vai exagerar nos xingamentos.

Doriva diz que não fala palavrões devido à sua criação. Desde pequeno aprendeu a não usar palavras de baixo calão. E ele não é o único.

BOCA LIMPA - Técnicos, jogadores e ex-jogadores que não falam palavrão

"Não quero que minha filha me veja na TV falando palavrão", afirma o atacante Willian, do Palmeiras, outro que nunca diz impropérios.

Há também os que afirmam que a religião os levou a abdicar das palavras chulas. É o caso do lateral direito Victor Ferraz, do Santos.

"Desde cedo fui acostumado a não falar palavrão, tentava ter uma conduta diferente quando ia para a escola ou para os treinos. Aprendi na igreja. No ano passado, em um jogo contra o Internacional, o árbitro disse que eu o ofendi, mas ele se confundiu", afirma o jogador.

Essa, porém, não é a regra nem entre os fiéis fervorosos. Há entre os atletas profissionais pastores evangélicos, como Ricardo Oliveira, colega de Victor Ferraz no Santos, que deixam escapar xingamentos dentro de campo quando acham necessário.

"São poucos [os que não dizem palavrão]. Mas isso não faz com que eu seja melhor ou pior que ninguém, nem mais santo. É uma característica minha. Não condeno ninguém", afirma Ferraz.

É quase o mesmo caminho adotado por Silas, técnico e ex-meia do São Paulo.

"Acho que [falar palavrão] faz mais bem para quem fala do que para quem ouve. É uma questão de precisar desabafar. De que adianta mandar o cara para aquele lugar? Não faz parte da minha índole fazer isso. Você pode ser duro com o jogador, se preciso, mas sem usar palavrão. Obtém o mesmo resultado", afirma o ex-jogador que disputou a Copa de 1990 e atualmente procura emprego.

Todos os que não usam os palavrões garantem não haver qualquer benefício prático em campo ao usá-lo. Ninguém vai jogar mais ou menos por ter sido xingado.

Rubens Chiri - 14.out.2015/Reprodução/saopaulofc.net
Doriva orienta a equipe do São Paulo durante jogo contra o Fluminense
Doriva orienta a equipe do São Paulo durante jogo contra o Fluminense

OLHARES ATRAVESSADOS

Os que são contra xingamentos revelam, sempre tomando cuidado para contar casos sem citar nomes, que há uma ponta de preconceito contra eles. Afirmam que há dirigentes no futebol que não gostam de técnicos e jogadores "educados demais".

"Nunca aconteceu comigo. Mas eu sei do caso de um amigo meu... O diretor disse que não gostava de treinador que não falava palavrão. Acha que é um jeito de ver se o técnico domina o vestiário. Isso é bobagem. Não é preciso palavrão", afirma Silas.

Victor Ferraz já passou por situação semelhante.

"Trabalhei com uma pessoa que não gostava muito do meu comportamento. Ele achava que jogador tinha de beber, sair na noite e falar palavrão. Ele me afastou dizendo que eu era muito diferente dos demais", lembra o lateral direito santista.

A maioria dos envolvidos no mundo da bola gosta de utilizar uma frase sempre que surge o assunto sobre ofensas morais ocorridas dentro de campo: "Durante a partida, é muito difícil dizer por favor ou obrigado".
Nem todos concordam.

"A educação cabe em todos os lugares. Não precisa de palavrão para cobrar ou conversar", conclui Doriva.


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