Folha de S. Paulo


F-1 é como viajar de primeira classe, diz Webber prestes a deixar a categoria

A sala no segundo andar do escritório da Red Bull em Yas Island traz amargas recordações para Mark Webber.

Foi nela, naquele 14 de novembro de 2010, que o australiano se refugiou para chorar ao deixar escapar sua única chance de ser campeão na F-1 após chegar em oitavo lugar no GP e ver seu parceiro de time, Sebastian Vettel, conquistar seu primeiro título.

E é nela que neste domingo Webber vai se preparar para a largada de sua antepenúltima corrida na categoria, o GP de Abu Dhabi.

Após 12 anos na F-1, sete deles na Red Bull, o piloto de 37 anos se prepara para iniciar uma nova etapa em sua carreira. A partir de 2014, disputará o WEC, o Mundial de endurance, pela Porsche.

Uma mudança grande, que ele começou a planejar no ano passado, mas da qual só teve certeza no Natal, como contou em entrevista à Folha no paddock de Abu Dhabi.

"Todos os pilotos com quem eu falei me disseram que não dá para substituir a F-1 depois que você experimentou isso aqui. É como viajar de primeira classe. Depois é difícil voar de econômica. Mas você precisa", declarou o australiano, dono de nove vitórias na categoria e que foi o terceiro colocado nos Mundiais de 2010 e 2011.

Xinhua/James Gasperotti
O alemão Sebastian Vettel (à esq.) e o australiano Mark Webber, ambos da Red Bull, em Abu Dhabi
O alemão Sebastian Vettel (à esq.) e o australiano Mark Webber, ambos da Red Bull, em Abu Dhabi

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Como veio a decisão de se aposentar?
A quantidade de energia e tempo que você coloca na sua carreira... Em algum momento tem que haver um equilíbrio e você começa a pensar na próxima etapa da sua vida, seja para ter mais tempo para ficar com seus pais ou fazer outra coisa. Ouvi de outros esportistas coisas como "Se você mantém a motivação sua carreira vai ficar bem", mas isso se perde. Você perde aquela coisa que te faz querer ir além. Não penso hoje como eu pensava quando tinha 25 anos. Temos que colocar muito esforço nisso e não chamo de sacrifício, apesar de ter saído cedo da Austrália. Fiz coisas muito legais, como ouvir o hino da Austrália no pódio. Acho que foram 25 anos entre a última vitória e a minha. Fiz muitas coisas das quais me orgulho. Mas no fim das contas cansa. Vou para a Austrália no verão e em janeiro tenho que estar em Jerez. Aí você se dá conta que não está mais interessado.

É um alívio então deixar a F-1?
É um pouco, mas ao mesmo tempo sei que se eu parar de correr completamente não vou ficar feliz, por isso acertei com a Porsche. Vou trabalhar duro com eles, mas não como aqui. No ano que vem com 20 corridas, a F-1 é muito intensa. Quero ter um equilíbrio diferente na minha vida e a hora é esta. E temos que lembrar também que a idade chega para todo mundo, seja você Roger Federer, Valentino Rossi. As coisas ficam mais difíceis. Ainda acho que estou guiando bem e isso é fácil para mim de aceitar.

O que mais mudou na categoria desde que você começou?
Acho que tudo foi mudando gradualmente. Todas as facetas foram mudando, seja o esporte, a imprensa, tudo. Para mim ainda foi uma mudança maior, porque antes estava no fim do grid. Termino minha carreira tendo vencido corridas nas últimas temporadas. Com o tempo você aprende mais do esporte, aprende coisas que não queria aprender. Mas o básico é o mesmo. Estamos aqui para correr, as equipes põem os carros na pista, a política está lá, as pessoas têm sua agenda.

Quando primeiro pensou em parar?
Em 2012. A Porsche me queria para este ano, mas eu não estava pronto ainda. Em 2012 eu comecei a pensar em mudança. Trabalho há muito tempo para a Red Bull e é natural a gente querer mudar. Acho que no Natal do ano passado confirmei para mim mesmo. Treinar sempre foi natural, minha motivação sempre esteve lá, mas no último ano isso tem sido menor. É mais uma pequena reação do meu corpo dizendo que é hora de acabar.

Dá para ser feliz longe da F-1?
Todos os pilotos com quem eu falei me disseram que não dá para substituir a F-1 depois que você experimentou isso aqui. É como viajar de primeira classe. Depois é difícil voar de econômica. Mas você precisa. Acho que o programa da Porsche é bom e não há uma transição melhor para mim. Os carros são os mais próximos que eu podia ter da F-1, são rápidos, e sei que vamos ser bem sucedidos.

Se olhar para sua carreira, mudaria alguma coisa?
Ficaria fora da grama na Coreia [em 2010]. Foi a primeira vez que rodei o carro naquele ano. Mas ao mesmo tempo fiz corridas fenomenais que me colocaram na disputa pelo título. Eu podia facilmente não estar naquela disputa, como não estive neste ano, mas aí minha carreira teria terminado mais cedo porque a Red Bull não ia me querer. Tenho mínimos arrependimentos porque sempre dei o máximo de mim.

Alguma corrida te marcou em especial?
A minha primeira corrida. Minha primeira vitória. Nenhum piloto vai esquecer a primeira, tenha ele uma ou 50, a primeira vez que você ganha é sempre especial. As vitórias de Mônaco, que equivalem a duas. Em 2010 foi a mais fácil que já tive, só controlei a corrida. Mas em 212 foi mais difícil. Fiz uma classificação ruim, mas me coloquei na primeira fila. O Michael [Schumacher] fez a pole, mas tinha uma punição de uma corrida anterior e eu ganhei a corrida.

Você e Sebastian Vettel são pessoas honestas e que falam o que pensam. Por que nunca se deram bem?
O cenário é que quando você tem dois pilotos juntos é complicado. É sempre estressante trabalhar junto, essa é a natureza dos pilotos.

Quão perto você esteve de fato da Ferrari?
Cheguei a um ponto que o próximo passo era falar com Dietrich Mateschitz [proprietário da Red Bull], mas não cheguei a um acordo com a Ferrari. Seria para este ano e o ano que vem. Mas não me arrependo. Eu tomei uma decisão e o barco agora partiu. Ficamos perto por dois ou três anos. Mas no Canadá no ano passado, tomei a decisão de que ficaria na Red Bull, acontecesse o que acontecesse.

Por que as pessoas vão sentir falta de você na F-1?
Não sei. Acho que sou, nós pilotos somos todos normais e tive uma ótima criação dos meus pais, eles são os melhores do mundo. É importante manter os pés no chão e eu sou uma pessoa que mostra as emoções. Disse coisas que foram boas pra vocês da imprensa, mas na hora era o que eu estava sentindo. Sempre lembro de onde vim. Nunca imaginei chegar onde cheguei, ter o dinheiro que tenho hoje, mas, no fim das contas, quando você fala com seus pais, com a sua irmã, você é apenas o Mark.


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