Folha de S. Paulo


Técnico não garante Cielo 100% no Mundial

Técnico de César Cielo desde o final do ano passado, o americano Scott Goodrich, 26, é cauteloso a falar das chances do seu nadador no Mundial de Barcelona, em julho.

"Não podemos dizer nada com 100% de certeza", afirmou.

O brasileiro sofreu cirurgias nos dois joelhos, há sete meses, e ainda sente algum desconforto.

Na última quarta-feira (24), porém, conseguiu o segundo melhor tempo dos 50 m livre no ano: 21s57 no Troféu Maria Lenk, no Rio. A marca é pior apenas que os 21s55 de Florent Manadou na seletiva francesa.

Goodrich foi colega de Cielo na equipe de natação da Universidade de Auburn, no Alabama (EUA). Deixou as competições em 2008 e tornou-se discípulo do australiano Brett Hawke, treinador do brasileiro na conquista dos quatro ouros em Mundiais e das três medalhas olímpicas.

Agora, assumiu seu posto.

Apenas seis meses mais velho do que Cielo, estreante na profissão, recém-chegado ao Brasil, o americano concedeu entrevista exclusiva à Folha.

Folha - Começo com a pergunta que muita gente fez quando você foi anunciado como novo técnico do Cielo. Quem é você?
Scott Goodrich - Quem sou eu? Essa é uma pergunta difícil. Sou um cara que está aqui para ajudar o César nessa recuperação. Pra responder a isso, temos que voltar no tempo. Eu e César fomos colegas em Auburn, nos tornamos amigos, e isso tem muito a ver com um amigo ajudando outro a voltar ao topo e ganhar o ouro de novo.
Ele veio e pediu que eu o ajudasse nesse processo. Agarrei. Não dá pra negar uma oportunidade assim, de trabalhar com o melhor do mundo.
Está sendo um prazer viver no Brasil, São Paulo é uma cidade impressionante.

Satiro Sodré-24.abr.13/Divulgação/CBDA
Cielo pula na piscina na prova dos 50 m do Troféu Maria Lenk
Cielo pula na piscina na prova dos 50 m do Troféu Maria Lenk

De quem foi a ideia? Do Cielo ou do Brett Hawke?
Do César, definitivamente. Essa relação entre César, Brett e eu... Brett é como uma fonte de recursos para nós. Nessa luta para César voltar ao topo, às vezes recorremos a uma solução que Brett usou no passado, para ter certeza de que estamos no caminho certo.
Brett foi legal ao ter mantido abertas as porta de Auburn, ao ter nos oferecido acesso a todos os recursos... Mas a interação com ele no dia a dia é muito pequena.

Você conversa com Hawke? Ele te passa algo para o programa de treinos?
Falei com Brett aqui no Rio, mas não conversávamos desde dezembro. Quer dizer... Quando chegamos, nos cruzamos rapidamente e eu disse 'oi, estamos aqui'.
Além dessas duas conversas, não tratamos de nada, não falamos sobre treinos...
Brett é um homem ocupado, tem seu programa de treinamento, tem seus outros atletas para se preocupar. Meu objetivo é trabalhar com o César e fazer dele o melhor nadador que eu conseguir que ele seja e que ele conseguir ser.
Então, Brett e eu não tivemos nenhum papo sobre treinos. Temos uma relação amistosa, claro, nos damos muito bem, mas não falamos sobre César ou sobre o programa de treinos.

Como está sendo a recuperação após as cirurgias?
Ainda está sendo um desafio grande. Uma cirurgia como ele fez, especialmente nos dois joelhos, é algo que limita seus movimentos nos treinos...

E que cria dúvidas na cabeça do atleta...
César é um lutador, é um cara que quer ser sempre o melhor. E a palavra final é dele, todos os dias. Nosso método de trabalhar é respeitar o que ele pode fazer. Temos nosso programa, nossas ideias, mas é ele que vai dizer até onde pode ir, qual é o limite para aquele dia.
Foi nosso acordo logo no começo do trabalho. Eu disse que iria preparar os programas de treinamento, o que precisaríamos fazer para chegar onde queremos. Mas ele iria me apontar os problemas, a questão com os joelhos, iria dizer quando estivessem doendo. Porque não podemos passar desse limite.
O ponto positivo disso é que, na água, estamos conseguindo fazer quase tudo. Há pequenos ajustes que ainda precisamos fazer, uma coisinha aqui e outra ali. Mas ele está muito focado, determinado, ele quer concluir esse trabalho.
Já houve vezes em que me assustei. Ele quis puxar o treino e eu tive que perguntar: "Você tem mesmo certeza disso? Parece que está doendo. Você tem certeza de quer continuar?" E ele disse que sim e continuou.
Os médicos tiveram um papel importante nisso também, passando a confiança de que os joelhos estão melhores, de que tudo está cicatrizado, de que ele pode continuar aumentando a carga.

Ele falou que se inspirou no Rafael Nadal e no Ronaldo, que tiveram problemas nos joelhos e se recuperaram...
Sim, sim. Conversamos muito sobre esses caras. Assistíamos a jogos do Nadal e ele dizia: "Se ele pode jogar tênis, eu posso nadar. O impacto é menor". Esse lado mental é muito forte no César.

Como você se prepara para ser técnico?
Mantendo minha mente aberta e lendo tudo o que eu posso. Circulando por esses meios de nutrição, musculação, natação... E também olhando para exemplos de sucesso de outros esportes, principalmente esportes de explosão, de força, como levantamento de peso. Como isso se relaciona com a natação? Como eu poderia aplicar isso para a natação? É muito essa questão de manter a mente aberta e tentar buscar novos benefícios para a natação.

Como está sendo a vida em São Paulo?
Ótima! Muita comida boa! A comida de São Paulo é fantástica. Os restaurantes, os cafés... Tudo é muito bom. Estou morando em Moema, é um lugar bonito. Desço do prédio, circulo pela vizinhança, tomo um espresso, experimento a comida local... Tudo está sendo legal até agora.

O que você acha da situação da natação brasileira?
Não estou muito familiarizado. Não estamos inseridos em nenhum grande clube. É tudo muito novo para mim. Fui muito bem recebido, todos foram muito legais, mas não sei nada sobre o lado político da coisa.

Você é só seis meses mais velho que o Cielo e é amigo dele. Mas é também técnico. Como você impõe sua autoridade, como faz para separar as coisas?
Quando começamos a conversar, eu disse: "Ok, nos conhecemos há um bom tempo, somos amigos, mas só vou mudar minha vida dos EUA para o Brasil se for para realmente trabalhar como técnico. Não vou como seu amigo. Minha responsabilidade será fazer nosso trabalho na água".
Isso tem funcionado bem, é algo que está sendo construído no dia a dia, mais na parceria do que na base do comando: ele buscando o que precisa, e eu elevando seus limites. O objetivo dos dois é o mesmo: ele voltar a ser o melhor. Não sou um ditador.
Ele já tem 26 anos, não precisa mais de uma babá, de alguém segurando sua mão. Ele precisa de alguém trabalhando com ele com um mesmo objetivo.

Ele estará com 100% da capacidade no Mundial?
Espero que sim. Mas não podemos dizer nada com 100% de certeza. Obviamente estamos trabalhando para isso, não só com o foco no Mundial, mas para toda competição em que ele for nadar

Quem serão os principais adversários nos 50m?
Florent Manadou, pelo que fez nos últimos tempos, e Nathan Adrian, que vem nadando muito bem. Até que alguém supere Manadou, ele continuará sendo o homem a ser batido

Como era treinar como o Cielo e enfrentá-lo em competições?
Era difícil. Ele sempre foi aquele cara um nível acima. Quando treinávamos juntos, era claro para todos que se tratava de um nadador especial. Para começar, ele é muito disciplinado com tudo: treinos, alimentação... E sua capacidade mental é muito forte.
Você sabe que ele vai chegar pronto a uma grande competição. E ele fica melhor à medida em que coloca mais pressão sobre seus ombros.

Até quando Cielo vai nadar em alto nível?
Vai depender dele. De uns tempos pra cá tornou-se mais comum ver nadadores de ponta com mais de 30 anos. Jason Lezak foi um grande exemplo, Fred Busquet ainda está competindo... Enfim, tudo depende dele. Ele se cuida, e provavelmente vai nadar até quando quiser.


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