Folha de S. Paulo


Italiana é a mãe do primeiro bebê com material genético do zika no cérebro

Ueslei Marcelino/Reuters
Neurologista Vanessa Van Der Linden observa tomografia de bebê com microcefalia
Neurologista Vanessa Van Der Linden observa tomografia de bebê com microcefalia

Debora Diniz, autora do livro "Zika - Do sertão nordestino à ameaça global", revelou a identidade da "mulher eslovena" cujo bebê, morto na 32ª semana de gestação, entrou para a história da medicina como o primeiro a ter identificado o material genético do vírus zika no cérebro. O caso foi publicado na revista "The New England Journal of Medicine", em fevereiro de 2016.

Na realidade, Sofia Tezza é uma italiana de 25 anos que casou com um brasileiro. Contudo, o casamento acabou e ela voltou para a Itália aos seis meses de gestação, três meses depois de ter sido infectada pelo zika em Natal (RN), onde morava.

No Brasil, os ultrassons do feto pareciam normais. Na Itália, porém, ouviu de vários médicos que o cérebro do bebê estava comprometido e que o filho seria "um vegetal". A suspeita era de que um vírus havia causado a má-formação, mas ninguém ainda a relacionava com o vírus zika.

Sofia passou então a investigar por conta própria a relação entre o vírus que assolava o Nordeste e a má-formação de Pietro, o seu bebê.

A italiana chegou a enviar uma mensagem com a questão a um médico brasileiro em setembro de 2015, dois meses antes de o Ministério da Saúde confirmar a relação.

À autora, Sofia sustenta que Pietro morreu no útero. O artigo científico, porém, informa que, por causa da doença severa no cérebro e da microcefalia, a mãe solicitou que a gravidez fosse interrompida, o que ocorreu em um hospital na Eslovênia.

"Foi o único lugar onde fui tratada como ser humano, e meu bebê também. Lá eles organizaram uma celebração junto com outros bebês que voaram para o céu porque os bebês têm que ficar juntos."

PACIENTE ZERO

O paciente número zero afetado pelo vírus zika no primeiro mês de gestação é gêmeo com outro menino, que aparentemente não foi afetado. A família mora no município de Custódia (340 km de Recife). Ele foi nomeado paciente zero pela neurologista pernambucana Vanessa Van der Linden não por ser o primeiro afetado pelo zika, mas por despertar a medicina para a tragédia em curso.

O pai, Paulo, é professor de geografia e comerciante. Ele não quer saber de lamúria sobre o filho e se recusa a expor a família na imprensa.

Ele insiste numa pergunta: "Por que estamos isolados? Só em Custódia, há crianças com microcefalia meses mais velhas que meu filho", indaga na obra de Debora Diniz.

Os gêmeos completaram um ano em julho.

O isolamento não é geográfico. A família sabe por que o filho foi o paciente zero. Porque faz parte do topo da estratificação social.

Tem acesso a médicos e serviços privados de saúde, possui carro próprio, viaja 160 km várias vezes na semana para que o filho receba estímulo em um centro especializado no município vizinho.
"Há muitas, muitas mulheres sozinhas com suas crianças com microcefalia. Muitos bebês estão morrendo, outros precisam de internação."

Outra angústia que ainda persegue Paulo é a suspeita de que ainda hoje os médicos não sabem o que realmente está acontecendo: "Será que algo pode acontecer ao outro gêmeo", indagou à autora. Ele está certo: a medicina ainda não tem essa resposta.

Zika - Do sertão nordestino à ameaça global

AUTORA Debora Diniz
EDITORA Civilização Brasileira
PREÇO R$ 29,90 (192 págs.)
LANÇAMENTO 31/08, às 19h - Café Objeto Encontrado - CLN 102, Loja 56 - Asa Norte, Brasília

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História do zika no Brasil

dez.2014
Médicos do sertão nordestino desconfiam da circulação de uma nova doença, definida como "alergia medonha"

29.abr.2015
Identificado o vírus zika em Salvador (BA) a partir de amostras de sangue de pacientes de Camaçari (BA)

14.mai.2015
Ministério da Saúde confirma a circulação do vírus zika no Brasil, após 16 resultados positivos de pacientes da Bahia e do Rio Grande do Norte

set.2015
Obstetras do Nordeste começam a observar em seus consultórios aumento de fetos com microcefalia e outros danos cerebrais

Italiana Sofia Tezza, que havia contraído zika no Brasil, relata a médico de Natal (RN) que seu bebê tem danos cerebrais associados a vírus

11.nov.2015
Ministério da Saúde confirma aumento do número de casos de microcefalia de padrão clínico não habitual. Declara emergência em saúde pública

21.nov.2105
Fiocruz constata presença de zika em amostras do líquido amniótico de duas gestantes na Paraíba, cujos fetos tinham microcefalia confirmada em ultrassom

1º.dez.2015
Organização Pan-americana de Saúde emite alerta epidemiológico sobre síndrome neurológica, malformações congênitas e a infecção pelo zika

1º.fev.2016
OMS declara emergência de saúde pública internacional após forte suspeita de relação causal entre a infecção por zika e a microcefalia

11.fev.2016
Revista científica "New England Journal of Medicine" relata danos graves no cérebro do feto de uma mulher europeia [Sofia Tezza]

7.mai.2016
OMS divulga consenso científico que concluiu que o vírus zika é a causa da microcefalia e da síndrome de Guillain-Barré

"Radiology"
Exames de imagem de bebês (gêmeos) com microcefalia por causa do vírus da zika
Ultrassonografias de bebês (gêmeos) com microcefalia por causa do vírus zika

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