Médicos americanos anunciaram que uma criança, hoje com dois anos e meio, ficou livre do vírus da Aids após iniciar, poucas horas depois de nascer, um tratamento com três antirretrovirais.
A mãe do bebê, moradora da zona rural do Mississippi, não sabia que era soropositiva e não tomou o coquetel de drogas usado para prevenir a contaminação do bebê.
Por isso, os médicos decidiram entrar com uma "abordagem de choque": o bebê recebeu, 30 horas após o parto, a combinação de remédios.
Em geral, bebês nessa situação tomam um xarope de AZT durante um mês. A medicação é interrompida e é feito um exame para ver se houve infecção ou não.
No caso do Mississippi, os médicos optaram por continuar com a medicação após cinco exames mostrarem que o bebê estava infectado.
Já no fim do primeiro mês do tratamento, que foi mantido por um ano e meio, a carga viral foi reduzida a níveis indetectáveis.
Essa é uma situação comum em soropositivos que usam o coquetel anti-Aids. Muitos permanecem por anos sem que o vírus seja detectável pelo exame de sangue.
Mas basta interromper o tratamento para a carga viral disparar em semanas, porque o vírus forma reservatórios nas células do paciente. Sem os remédios, essas reservas voltam a se replicar.
A descoberta da cura no bebê se deu por acaso: a mãe interrompeu o tratamento por conta própria durante cinco meses. Quando voltou ao hospital, os médicos constataram que a menina ainda estava livre do vírus.
Só exames que procuram traços genéticos do HIV ainda mostravam resultado positivo, mas o vírus não se replica mais. Há quase um ano sem tomar antirretrovirais, a criança permanece assim. Por isso, os médicos estão chamando a situação de "cura funcional" do HIV.
Segundo a responsável pelo tratamento, Deborah Persaud, da Universidade Johns Hopkins, o mais provável é que não tenha havido tempo para que o vírus formasse os reservatórios, por isso houve o sucesso da terapia.
BRASIL
Em parceria com a Universidade da Califórnia, cientistas da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) fizeram um estudo bastante parecido.
Eles deram a 1.684 recém-nascidos brasileiros, até 48 horas após o parto, uma combinação de duas ou três drogas antirretroviras. As mães só haviam descoberto que eram soropositivas no fim da gestação.
A combinação se mostrou mais eficaz do que apenas o AZT para evitar as infecções. Uma diferença deste estudo para o caso americano é que não havia certeza se os bebês estavam infectados. O objetivo era a prevenção.
"As condições do nosso trabalho foram muito parecidas com as que eles apresentaram", diz Valdiléa Veloso, coordenadora da pesquisa no Brasil e diretora do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas. Com o sucesso da abordagem americana, a médica afirma que vai revisar seus dados em busca de possíveis resultados similares em crianças brasileiras.
Veloso está em Atlanta, nos EUA, acompanhando a conferência sobre Aids na qual os cientistas da Universidade Johns Hopkins apresentaram o caso do bebê.
Apesar de promissores, os resultados ainda precisam ser confirmados. "Falta um seguimento a longo prazo", diz o infectologista Caio Rosenthal, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
David Uip, infectologista e diretor do Emílio Ribas, lembra que o tratamento não serve para adultos: a terapia só foi eficiente porque começou quando o vírus ainda não tinha formado os reservatórios.
Também é preciso avaliar os riscos do uso dos remédios antes de mudar protocolos de tratamento para bebês. "Precisamos de mais dados para tirar qualquer conclusão."
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress | ||