Folha de S. Paulo


Papa Francisco e os movimentos populares

Como é bom reconhecer os homens raros ou de "alma nobre", como dizia Nietzsche. O papa Francisco tem demonstrado esses valores nas suas ações, atitudes e posicionamento perante o mundo.

Não somente isso, mas a racionalidade e a tolerância com que tem apresentado os problemas e os desafios são notáveis no que tange às questões como a sustentabilidade do planeta e a defesa dos mais pobres e excluídos.

Nos últimos meses, o papa tem causado grande admiração por parte de alguns e espanto para outros com a apresentação da encíclica (Laudato Si), construída por meio das diversas contribuições de teólogos, cientistas, filósofos e organizações sociais. Ela permite uma reflexão profunda de questões importantes como o meio ambiente, a ecologia, a política e a economia mundial.

Um dos pontos que chama atenção dessa carta de abordagem holística diz respeito à preocupação com o ser humano, em especial aos mais pobres.

É destacado: "O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social. De fato, a deterioração do meio ambiente e a da sociedade afetam de modo especial os mais frágeis do planeta: Tanto a experiência comum da vida quotidiana como a investigação científica demonstram que os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais pobres".

Além de apresentar os problemas sociais e ambientais do planeta e a importância da sustentabilidade, a encíclica também aponta para o despertar de uma nova consciência que tem se expandido nas nações. A sociedade civil tem apresentado respostas positivas em propor ações a curto e médio prazo.

Nas viagens realizadas para os países da América Latina, o papa ressaltou o importante papel e contribuição dos movimentos populares na luta por justiça social. Chamou a atenção para os trabalhadores excluídos, as famílias sem teto, os jovens desempregados, os imigrantes, a exploração do trabalho infantil, a violência urbana, entre outras questões sociais.

Destacou: "Felicito-vos por isso. É imprescindível que, a par da reivindicação dos seus legítimos direitos, os povos e as suas organizações sociais construam uma alternativa humana à globalização exclusiva. Vós sois semeadores de mudança. Que Deus vos dê coragem, alegria, perseverança e paixão para continuar a semear. Podeis ter a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, vamos ver os frutos. Peço aos dirigentes: sede criativos e nunca percais o apego às coisas próximas, porque o pai da mentira sabe usurpar palavras nobres, promover modas intelectuais e adotar posições ideológicas, mas se construirdes sobre bases sólidas, sobre as necessidades reais e a experiência viva dos vossos irmãos, de camponeses e indígenas, de trabalhadores excluídos e famílias marginalizadas, de certeza não vos equivocareis."

E a encíclica papal continua sobre o papel da igreja que, segundo ele, "não pode nem deve ser alheia a este processo no anúncio do Evangelho. Muitos sacerdotes e agentes pastorais realizam uma tarefa imensa acompanhando e promovendo os excluídos em todo o mundo, ao lado de cooperativas ou dando impulso a empreendimentos, construindo casas, trabalhando abnegadamente nas áreas da saúde, desporto e educação. Estou convencido de que a cooperação amistosa com os movimentos populares pode robustecer estes esforços e fortalecer os processos de mudança".

Por fim, o papa propôs três tarefas para os movimentos populares: a economia ao serviço dos povos; união dos povos no caminho da paz e da justiça; defesa da Mãe Terra.

Papa Francisco tem contribuído de maneira ativa e corajosa para a reflexão e entendimento da mudança urgente na maneira dos homens se relacionarem entre si e com a natureza. Infelizmente, ele tem incomodado e tem sido alvo de críticas e ameaças por parte dos intolerantes e ignorantes do século 21.

Nietzsche tinha razão quando afirmava que os homens raros sempre serão vistos aos olhos dos rebanhos como seres excêntricos ou loucos.

Papa Francisco não é nem uma coisa ou outra, é um homem raro e dotado de virtudes que para muitos é algo estranho e confuso, em um mundo de grandes rebanhos covardes, intolerantes, individualistas e superficiais.

"É chamado de espírito livre aquele que pensa de modo diverso do que se esperaria com base em sua procedência, seu meio, sua posição e função, ou com base nas opiniões que predominam em seu tempo", como define Friedrich Nietzsche (1844-1900).

MÁRCIA MOUSSALLEM, doutora em serviço social e sócia da Merege & Moussallem Consultores


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