Folha de S. Paulo


Análise: Luta contra ampliação das Câmaras é a pré-história dos MPLs

O desapego institucional talvez seja a marca mais evidente das revoltas que tomaram conta de centenas de cidades brasileiras neste mês, já que, apesar da diversidade de causas e da falta de clareza na pauta, uma característica comum em todas elas é a descrença no sistema político, em geral, e nos partidos, especificamente.

A despeito dessa marca, pode-se dizer, porém, que a pré-história dos movimentos está na luta contra a ampliação de vagas nas Câmaras Municipais entre 2011 e o ano passado.

Reportagem desta Folha em 2011 mostrou que pelo menos cinco cidades aprovaram e depois desistiram da ampliação de cadeiras após movimentos similares aos que tomaram conta das ruas neste mês --embora com proporções bem menores. Entre elas, estavam Franca (SP), Maringá (PR) e Jaraguá do Sul (SC).

Explica-se: em 2009, o Congresso promulgou uma emenda que permitiu, na prática, a ampliação de vagas em centenas de Legislativos municipais que atestassem, com base nos dados do Censo, seu crescimento populacional.

Como houve um levantamento em 2010 e diversos municípios viram o número de habitantes crescer, as Câmaras que podiam aumentar o número de cadeiras começaram a aprovar as ampliações a partir do ano seguinte.

Silva Junior - 24.abr.12/Folhapress
Manifestantes fazem protesto em 2012 durante sessão da Câmara de Ribeirão, que recuou após vários atos
Manifestantes fazem protesto em 2012 durante sessão da Câmara de Ribeirão, que recuou após vários atos

Foi então que surgiram em diferentes cidades, principalmente no Sul e Sudeste, movimentos populares contra a ampliação. Como ocorreram em lugares distantes das capitais, não se ouviu muito falar deles.

Inicialmente liderados por empresários e associações de classe, como ACIs e OAB, esses grupos tinham uma quantidade expressiva de estudantes. Aos poucos, esses movimentos passaram a ter presença predominante de jovens.

PANELAÇO

Foi o que ocorreu em Ribeirão Preto (313 km de São Paulo), onde a mobilização até começou com empresários do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de SP), da Acirp (Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto) e integrantes da OAB, mas estudantes e jovens de até 30 e poucos anos assumiram a dianteira do movimento e criaram o Panelaço.

O nome do grupo curiosamente foi consolidado porque, num dos primeiros atos na Câmara, a presidência da Casa proibiu a entrada de panelas no prédio do Legislativo.

No princípio, a luta em Ribeirão era contra a aprovação da Câmara de Ribeirão, que aumentou o número de cadeiras de 20 para 27. Depois, os movimentos da cidade reivindicaram também contra o aumento salarial dos vereadores de quase 40% --cada parlamentar ganhava à época R$ 9.288.

MOVIMENTOS APARTIDÁRIOS

Um dos líderes que surgiu desse grupo em 2011 foi o professor de história Jonas Paschoalick, o mesmo que integra neste ano o MPL (Movimento Passe Livre) Ribeirão Preto.

Enquanto tinha empresários à frente, o "argumento" mais usado pelos vereadores para rebater as críticas que recebiam nas manifestações era uma velha desculpa das autoridades brasileiras: "as manifestações são políticas, pois muitos de seus integrantes vão disputar as eleições municipais".

Os fatos logo mostraram que se tratava apenas de um sofisma por parte dos parlamentares. Também nascido nas redes sociais, o Panelaço, apesar de ter tido a participação de alguns pré-candidatos, fez questão de deixar claro que não tinha ligação partidária. E seus principais líderes não disputaram a eleição.

Com o Panelaço e empresários locais, centenas de pessoas lotaram plenários da Câmara para pressionar os vereadores. Depois de dezenas de manifestações, com apitaços e cartazes, conseguiram duas conquistas.

Edson Silva - 21.jun.2013/Folhapress
Manifestantes concentrados no centro de Ribeirão Preto, em ato que reuniu a marca de 25 mil pessoas no último dia 20
Manifestantes concentrados no centro de Ribeirão Preto, em ato que reuniu a marca de 25 mil pessoas no último dia 20

Como em várias outras cidades brasileiras, em Ribeirão, a mobilização fez os vereadores recuarem: a ampliação da Câmara baixou de 27 para 22 vagas e o percentual de aumento salarial diminuiu de 40% para 17%.

Neste mês, não só Paschoalick, mas dezenas de outros jovens tomaram as ruas de Ribeirão nos últimos dias na luta contra uma tarifa de ônibus mais em conta.

A prefeita Dárcy Vera (PSD) já ofereceu uma proposta para baixá-la de R$ 2,90 para R$ 2,75, mas o MPL-Ribeirão não aceita. Quer que volte para os R$ 2,60 do ano passado.

Como nova estratégia para chamar a atenção para essa causa, acamparam em frente ao palácio Rio Branco, sede da prefeitura. Completam daqui a pouco 120 horas no local. Dizem que só vão sair se sua reivindicação for atendida.

Detalhe: da parte dos manifestantes, o movimento de Ribeirão é essencialmente pacífico. A trágica morte de um estudante no último dia 20 foi causada por um morador da cidade que tentou furar o bloqueio daquele protesto.


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