Folha de S. Paulo


LIOR VILK, 31

Vítima de tráfico de bebês, homem busca os pais biológicos no Brasil

Arquivo Pessoal
Israelense Lior Vilk descobriu que foi vítima de tráfico de bebês e agora procura pais biológicos no Brasil
Israelense Lior Vilk descobriu que foi vítima de tráfico de bebês e agora procura pais biológicos no Brasil

RESUMO Lior Vilk, 31, nasceu no Brasil, mas com poucos dias de vida foi vendido a uma família de Israel por US$ 15 mil (cerca de R$ 46 mil). Só aos 20 anos descobriu que havia sido negociado por traficantes de bebês. Ele mora com os pais adotivos em Israel e, até hoje, não tem informações sobre os pais biológicos. Quer juntar dinheiro para construir casa no Brasil, voltar a viver no país e adotar um filho.

*

Não sei onde nem quando nasci. Minha certidão diz que foi em Curitiba, em 1º de setembro de 1985. Mas é falsa, foi feita pela quadrilha que traficava bebês e me vendeu aqui em Israel. Fui trazido para cá com poucos dias de vida. Fizeram passaporte falso, com foto que nem era de mim.

Meus pais adotivos pagaram US$ 15 mil (cerca de R$ 46 mil) por mim. Eles estavam havia 11 anos tentando ter filhos naturalmente. Fizeram até fertilização, mas não conseguiram. Aí decidiram adotar.

Um dia, no hospital, souberam de uma mulher que intermediava adoção internacional e marcaram um encontro em Tel Aviv. Disseram a ela que queriam uma criança de qualquer sexo e cor, desde que fosse recém-nascida. Três meses depois, tocou o telefone deles. Era eu chegando.

Meus pais adotivos não quiseram saber de onde eu vinha porque estavam muito fragilizados com o processo todo. Eles não sabiam que a mulher traficava bebês. Pagaram o dinheiro achando que era para acelerar a adoção. Eles falam sobre o caso, mas são meio fechados.

Descobri que havia sido adotado quando tinha seis anos. Estava na casa de um amigo e ouvi a mãe dele dizendo que eu não era filho da minha mãe. Comecei a chorar e fui embora correndo.

Quando cheguei em casa, minha mãe colocou minha cabeça no colo dela, começou a mexer nos meus cabelos e me disse: 'Você tem uma mãe que te trouxe ao mundo, e outra que está te cuidando agora'. Parei de chorar. Na hora, achei legal ter duas mães.

PROCURA

O tempo passou. Só aos 14 anos me dei conta de que era brasileiro. Não sei o que houve. Acho que vi um filme sobre o Brasil ou li um livro. Aí quis saber mais da minha história, mas passou.

Aos 18, voltei a querer saber do meu passado. Minha vida tinha virado de cabeça para baixo: minha mãe estava com câncer, eu tinha entrado para o Exército de Israel e sido mandado à Faixa de Gaza. Entrei em depressão e pensei em me matar.

Quando saí do Exército, decidi morar na Polônia e, quando fazia os documentos para viajar, tive que recuperar os papéis da adoção. Estavam em hebraico, mas vi neles o nome da minha mãe biológica: Isabel Alves dos Santos. Era falso, claro. Mas mexeu comigo. Desisti de ir à Polônia e decidi aprender português para procurar minha família.

Meus pais adotivos souberam depois disso. Nunca me apoiaram, mas nunca me impediram. Aos 20, disse à professora que estava estudando para procurar meus pais biológicos. Ela contou que todo ano aparecia um aluno como eu e me passou nomes.

A primeira pessoa com quem falei foi uma moça que tinha contratado um detetive em Curitiba. Falei com ele e, quatro meses depois, me ligou dizendo que os documentos da adoção eram falsos.

À época, eu trabalhava numa cafeteria e falei a um cliente da minha adoção. Ele tinha um amigo que também nasceu no Brasil e foi adotado por uma família de Israel. Nos encontramos, e ele me falou sobre o tráfico de bebês.

Já tinha ouvido falar em tráfico de gente, mas nunca pensei que pudesse acontecer comigo. Fiquei arrasado, confuso, com raiva. Triste. Achei que minha procura acabava ali. Mas não parei de ir atrás da minha história.

Um tempo depois, encontrei na internet um grupo de voluntárias brasileiras e ajudei outros adotados de Israel. Alguns já acharam seus pais biológicos.

Hoje, nosso grupo tem 344 pessoas, a maioria brasileiros que nasceram entre 1983 e 1995 e foram adotados em Israel. Sabemos, pelo contato com polícia e autoridades dos dois países, que nos anos 1980 e 1990 pelo menos 3.000 bebês brasileiros foram traficados para Israel.

As famílias que encaminhavam os filhos à adoção geralmente eram pobres, sem instrução. Não sabiam que estavam entregando as crianças a traficantes. Achavam que os bebês seriam criados por famílias ricas de São Paulo.

Em Israel, as famílias que procuravam uma criança para adotar também não sabiam que estavam lidando com traficantes. Pensavam que eram pessoas que trabalhavam com adoção internacional e cobravam taxas altas para cuidar dos documentos e acelerar o processo.

Estou cansado de procurar. Cheguei a fazer teste de DNA com uma família, mas o resultado deu negativo. É muita frustração. Sempre que alguém me procura, penso 'talvez seja desta vez'. Nunca foi.

Sou vítima do tráfico de pessoas e isso deixa marcas. Mas vejo um lado bom: fui adotado por uma família que gosta de mim. Tem gente que não teve a mesma sorte, que foi para uma família de demônios, que vende órgãos.

Trabalho como caminhoneiro 300 horas por mês. Meu plano para 2018 é adotar uma criança e viver no Brasil. O sangue chama. Eu pertenço ao Brasil. Me vejo mais novo. É como se voltasse para casa.


Endereço da página: