Folha de S. Paulo


Lei de acesso vira canal de pedidos excêntricos e dúvidas inusitadas em SP

Não se sabe por quê, mas em março deste ano uma dúvida martelou a cabeça de um paulistano: o que é preciso para ser prefeito? Esse paulistano entrou no site de transparência da prefeitura e mandou: "Gostaria de solicitar os pré-requisitos para se tornar prefeito de São Paulo."

Outro cidadão queria gravar um filme e precisava de um ônibus para compor o cenário. Entrou no mesmo site e pediu: "Gostaria de utilizar um ônibus da prefeitura. Ele pode ser entregue na rua Solon. Rodará poucos quilômetros, pois é uma cena rápida. Desde já, agradeço".

Perguntas e pedidos excêntricos como esses foram feitos por paulistanos ao site de transparência da prefeitura nos últimos três anos.

Desde 2012, quando a Lei de Acesso à Informação passou a valer, os órgãos públicos são obrigados a fornecer informações –públicas– ao cidadão. Basta questionar.

Neste mês, a gestão Fernando Haddad (PT) divulgou os 6.645 pedidos feitos ao portal até abril deste ano –em 2015 foram 345 por mês.

Parte deles, os "mais sérios", foram respondidos. Quem responde são as secretarias ou empresas públicas. "Quantos ônibus foram incendiados em 2014?", alguém perguntou. "132", respondeu a pasta de Transportes.

"Quantos metros de cabos elétricos da prefeitura foram furtados em 2014?", algum interessado quis saber. "Cerca de 1,1 milhão de metros", apontou a Ilume, departamento de iluminação.

Já os pedidos "sem noção" são registrados no arquivo da Controladoria, contabilizados e solenemente ignorados.

Alpino

Neste ano, por exemplo, um morador da zona leste estava descontente com atividades culturais/esportivas em seu bairro. Entrou no site da transparência e pediu:

"Solicito recreações e manifestações não demoníacas na Vila Prudente". Devidamente classificado com o número 11.389, o pedido entrou em algum escaninho virtual e lá ficou até agora.

Outra pessoa queria resgatar seu histórico médico. Questionou: "Quantas vezes usei o SUS nos últimos dez anos? Quero data e hora".

DIFICULDADES

Para Fernanda Campagnucci, coordenadora de integração da Controladoria e responsável por acompanhar os pedidos, muita gente ainda não sabe como utilizar a Lei de Acesso à Informação.

"Essa é a grande dificuldade que nós temos, as pessoas ainda estão aprendendo", diz ela, que já comandou oficinas públicas para explicar como fazer pedidos.

A Controladoria também tem um manual com dicas: "Seja preciso no questionamento; faça só uma pergunta por vez; saiba a qual órgão perguntar; não precisa explicar por que precisa da informação; se não ficou satisfeito com a resposta, recorra".

Fernanda explica que denúncias, reclamações ou solicitações de serviços são enviados a outros setores, como a ouvidoria ou a central de atendimento ao cidadão.

Não é no portal da transparência que se reclama de um buraco no asfalto. Mas é possível saber, por meio do site, quanto foi gasto pela prefeitura para tapá-los.

Mesmo assim, tem paulistano que insiste e fala mal até do vizinho no site:

"Devo informar que a lambança que o sr. X promove na garagem da casa da viúva com quem mora e na minha calçada continua. O sr. X não respeita nada, isso se chama delinquência. Não seria o caso de usar força policial?"

Colaborou RODRIGO RUSSO, de São Paulo.

-

EXEMPLOS DE PEDIDOS
Canal é usado para solicitar dicas e denúncias

> Como faço para ser feirante? Pretendo comercializar água de coco in natura

> Devo informar que a "lambança" que o sr. X promove na garagem da casa da viúva com quem mora e na minha calçada continua. O sr. X não respeita nada, isso se chama "delinquência". Não seria o caso de usar força policial?

> Solicito recreações e manifestações não demoníacas na Vila Prudente

> Quantas vezes usei o SUS em dez anos? Quero data e hora

> Quero saber quantas ocorrências de barulho na noite e madrugada foram registradas em relação ao Bar do Alemão

> Gostaria de informar o custo abusivo no corte e outros serviços de cabeleireiro na Vila Alpina e no Parque São Lucas. De R$ 18 a 28


Endereço da página: