Folha de S. Paulo


PM recolhe 38 adolescentes em 2º dia de operação antiarrastão no Rio

A Polícia Militar do Rio apreendeu ao menos 38 jovens neste domingo (27) durante o segundo dia da 'Operação Verão'. A ação, antecipada em três semanas, visa combater arrastões nas praias da zona sul e encaminhar menores de idade em condição vulnerável para abrigos.

Os adolescentes foram retirados de ônibus que ligam a zona norte à zona sul. Além de estarem sem responsáveis, alguns estavam sem documentos e dinheiro. Dentre os apreendidos, 12 foram recolhidos no sábado (26) e outros 26, no domingo.

Segundo balanço divulgado pela prefeitura, 27 dos jovens apreendidos tinham até 12 anos.

Com os arrastões ocorridos em Ipanema, zona sul do Rio, no último final de semana de inverno, a secretaria de Segurança Pública antecipou a operação em três semanas.

O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, foi checar algumas blitz e ressaltou a importância da operação em conjunto com a prefeitura. "É um problema complexo que envolve a responsabilidade dos pais. A ação conjunta com a assistência social é fundamental", disse.

No total, 700 agentes reforçaram o policiamento no centro e na zona sul e 17 pontos de blitz foram montados.

Nos dois dias de operação, a Folha fez quatro viagens no ônibus mais visado da blitz: o 474, que liga o Jacaré, na zona norte, ao Jardim de Alah, no Leblon, zona sul.

Investigações apontam que grupos de jovens dessa favela, que se intitulam como "coreto" –gíria no morro que significa "assaltar e correr"– foram os protagonistas dos últimos arrastões.

OPERAÇÃO VERÃO

O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, esteve presente em alguns pontos dos 17 bloqueios montados pela Polícia Militar. Mais uma vez, ressaltou a importância da operação em conjunto com a prefeitura. "É difícil para a polícia lidar com crianças nesta situação: sem dinheiro, não pagam as passagens. É um problema complexo que envolve a responsabilidade dos pais. A ação conjunta com a assistência social é fundamental", disse.

Beltrame lamentou que o final de semana tenha sido de dias nublados, o que ocasionou um movimento atípico para um final de semana. "Não conseguimos fazer nosso evento-teste com total eficácia da Operação Verão com o tempo. Ela está funcionando, mas temos que ter cautela. Temos um verão inteiro pela frente".

A ação, que será realizada somente aos finais de semana, vai durar até o final de março e contará com o reforço de 700 policiais militares e 60 assistentes sociais.

No total, 34 barreiras policiais serão montadas em dois turnos para revistar ônibus que se deslocam da zona norte para a zona sul. Investigações da Polícia Civil apontaram que alguns jovens, moradores em sua maioria das favelas do Jacaré, Manguinhos, Complexos do Alemão e da Maré, se organizam em grupos para assaltar nas praias.

Além da mobilização de efetivo policial, torres de observação foram montadas ao longo da orla e um helicóptero captura imagens em tempo real da movimentação para um caminhão da Polícia Militar, que são repassadas para o Centro Integrado de Comando e Controle, que coordena as operações.

BLITZ

Às 13h da tarde deste domingo (27), quatro meninos entre 8 e 11 anos tinham como almoço os doces que ganharam na rua, tradição do dia de São Cosme e Damião, padroeiros das crianças.

Sem dinheiro ou documentos, usando apenas bermudas e chinelos –alguns, descalços– esperavam sentados para serem atendidos no Centro de Acolhimento da prefeitura, em Laranjeiras, zona sul do Rio. Haviam sido retirados de um ônibus da linha 474 (Jacaré-Jardim de Alah), após uma blitz da polícia.

A Folha acompanhou a trajetória dos menores desde o embarque, às 11h30, na altura do Largo da Cancela, na zona norte.

O quarteto entrou correndo pela porta traseira do ônibus, para não pagar a passagem. "Vem, vem que dá", disse um deles para outros menores que tentavam subir, mas não conseguiram após o motorista fechar a porta e arrancar com o veículo.

O ônibus seguiu e, com o sacolejo, as crianças dormiram. Esperavam descer em alguma praia da zona sul –Copacabana, a mais próxima, ficava a 18km do local em que embarcaram, um percurso de cerca de 40 minutos.

Dez minutos depois da entrada do grupo, o ônibus foi parado em uma blitz na Leopoldina, zona portuária. Três policiais militares entraram e olharam para os passageiros. Dois dos menores, que estavam sentados juntos, foram abordados pelos policiais, mas liberados.

Três pontos de ônibus depois, em nova barreira, em frente à Central do Brasil, o grupo inteiro foi retirado do veículo por policiais. "Vocês são menores, se queriam ir à praia deveriam estar com seus pais", argumentou um dos agentes, em tom amistoso.

Os quatro garotos foram reunidos a outros dois que já haviam sido apreendidos e que aguardavam sentados na calçada a chegada da van da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social.

Ricardo Borges/Folhapress
Jovens sem documentos nem dinheiro são apreendidos em blitz da Operação Verão, antecipada para este fim de semana
Jovens sem documentos nem dinheiro são apreendidos em blitz da Operação Verão, antecipada para este fim de semana

Arredios, perguntaram ao policial para onde seriam levados. Em uma tentativa de por fim às reclamações, e sem saber da presença da imprensa, um dos assistentes sociais que trabalham para a secretaria diz: "Vão para [o bairro de] Santa Cruz, e no caminho tem a [favela] Vila Aliança. Se os bandidos pegarem vocês, vão botar para subir [matar]". O grupo se calou.

Foram levados ao abrigo em Laranjeiras, onde estavam assistentes sociais e a imprensa. Ao descerem da van, um deles foi abraçado por um assistente. "Cai fora", disse, esquivando-se. Outro reconheceu e cumprimentou um dos funcionários: "Olha eu aqui de novo, tio".

Os quatro disseram ser do Jacaré, na zona norte. "A gente só estava pegando doce, tia. Queríamos ir para a praia curtir. Não ando de identidade porque, se perder, a mãe briga", disse um à reportagem, enquanto comia uma maria-mole.

Sentados ao lado dos outros dois menores recolhidos na Central, todos negros, reclamaram ao ver um garoto branco, de 17 anos, sendo liberado pelos assistentes. "Ih, a lá", disseram, apontando a cena.

Felipe, 17, havia sido recolhido pela polícia em um ônibus da linha 455 (Méier-Copacabana), por estar sem identidade e sem dinheiro. Morador do Complexo do Lins, na zona norte, levava um isopor com pequenos copos de água.

"Tenho mulher e uma filha bebê para sustentar. Sou trabalhador", disse aos agentes, antes de sair andando do abrigo. Ele afirmou não lembrar do telefone da mulher ou de outros familiares.

Indagados sobre a diferença no tratamento entre os menores, um agente justificou: "É óbvio que ele quer trabalhar. A gente tem que ter bom senso", disse.

Até às 15h do domingo (27), cerca de dez menores haviam sido conduzidos ao centro de triagem da Prefeitura. Caso os responsáveis não fossem localizados, seriam enviados para abrigos.

No sábado (26), primeiro dia da Operação Verão, que foi antecipada em três semanas com o objetivo de evitar arrastões e recolher menores que se encontravam em situação de vulnerabilidade social, 12 menores haviam sido enviados ao centro. Nenhum foi apreendido cometendo crime.

"A gente está comendo doce, mas daqui a pouco tem um lanche. É bom o lanche daqui", afirmou um dos menores, rindo.


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