Folha de S. Paulo


Ex-secretário de Lula diz que ocupação militar na Maré é 'derrota do Estado'

Ao participar de um seminário com moradores e entidades do Complexo da Maré, na zona norte do Rio, na tarde desta terça-feira (6), o antropólogo e ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares fez críticas à ocupação militar na favela, em curso desde 30 de março.

Soares ocupou o cargo de secretário nacional em 2003, no início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"[A ocupação militar na Maré] é a frase final de um capítulo cujo título é falência, fracasso, derrota. A derrota do Estado que foi incapaz de resolver os problemas de segurança e teve que recorrer a um expediente externo absolutamente artificial e provisório", afirmou o antropólogo na saída do encontro.

Ele disse ainda que os próprios militares estão angustiados com a atividade nas favelas do Rio.

"As autoridades militares serão as primeiras a dizer que isso (a ocupação) não tem nenhuma sustentabilidade, dura muito pouco e não estamos dispostos a permitir que isso se estenda. Isso torna as nossa instituições vulneráveis. É um tampão cheio de problemas e riscos para a sociedade e para as instituições".

A bandeira de Soares no momento é a PEC 51, protocolada no Congresso em outubro. Além de propor uma reordenação completa na segurança pública do país, se aprovada a PEC decretaria a desmilitarização das polícias em todos os Estados.

Soares afirma que quando fez parte do governo Lula um acordo promissor foi alinhavado com os 27 governadores, mas o cálculo político do Planalto acabou sepultando as mudanças.

"Eles [os governadores] assinaram carta de intenções na qual apoiavam o presidente da República no encaminhamento ao Congresso de mudanças na segurança pública. O presidente chegou a marcar uma data de reunião para firmar um pacto, o que seria muito importante. Mas foi desmarcada a reunião e eu saí do governo. E isso foi esquecido", disse.

As críticas do ex-secretário nacional, porém, recaem principalmente sobre o modelo das UPPs (Unidades de Política Pacificadora), iniciado pela gestão do então governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), que renunciou no começo de abril.

"As escolhas [sobre a implantação das UPPs] foram políticas e econômicas, baseadas naquele cinturão dos grandes eventos. Também visava o turismo e a imagem externa, um circuito elitista. O projeto nunca foi de fato orientado para ajudar a resolver problemas de segurança pública", assinalou.

MORADORES PEDEM DIÁLOGO

O evento na Maré, chamado "Diálogos necessários - Seminário sobre segurança pública nas favelas", reuniu no complexo entidades como A Anistia Internacional, Redes da Maré e Observatório das Favelas. A Secretaria de Estado de Segurança Pública foi representada por Juliana Barroso, subsecretária de ensino e programas de prevenção.

Diante de queixas de truculência e de abuso de poder de parte da polícia, Juliana acolheu as críticas dos moradores e admitiu que o processo de pacificação tem falhas. Apontou a evolução no processo de formação dos PMs, com um currículo mais focado para os direitos humanos, e afirmou que havia um déficit de policiais que está sendo reposto após sucessivos concursos públicos.

Cobrada especialmente pelos líderes comunitários da Maré, Juliana disse que a secretaria assumirá o compromisso de fazer um processo de pacificação mais participativo no complexo. A Maré possui uma organização dos moradores mais desenvolvida do que outras favelas cariocas.

Um dos líderes comunitários é Osmar Camelo, presidente da associação do Morro do Timbau. Ele, que é ex-policial militar, afirma que o crime segue no interior da comunidade e que há desconfiança em parte dos moradores quanto à pacificação.

"Tem que resgatar a confiança, a gente sofre na pele e o Estado esteve ausente por muito tempo. Tem gente que tem esses camaradas [os criminosos] como heróis, mas há um desejo da comunidade em cooperar", disse Camelo.


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