Folha de S. Paulo


'Rolezinho' em Niterói tem discurso político e princípio de confusão

O tom político tomou conta do "rolezinho" que ocorreu na noite deste sábado (18) no Plaza, shopping na área central de Niterói, região metropolitana do Rio.

Previsto para as 18h30, o evento começou às 19h10. Até então, apenas curiosos estavam em frente ao centro comercial. Duas pessoas discursavam.

Candidato pelo PSOL a vereador de São Gonçalo nas eleições passadas, o rapper PH Lima tomou a dianteira do ato e entrou no shopping, seguido por cerca de 50 pessoas.

O grupo não foi impedido pelos seguranças do estabelecimento. A assessoria de imprensa do shopping tentou barrar a entrada dos jornalistas. Repórteres tiraram seus crachás e conseguiram acompanhar o ato, mas fotógrafos e cinegrafistas foram impedidos pelos seguranças, sob ordens da assessoria.

Puxados por Lima, os manifestantes entraram no shopping batendo palmas e cantando o "Rap do Silva", que fez sucesso no início dos anos 1990 com o refrão:"Era só mais um Silva que a estrela não brilha, ele era funkeiro mas era pai de família".

PH Lima procurava reforçar o viés político do ato, recordando as manifestações de junho de 2013. "Vamos continuar dando nosso 'rolezinho'. A favela não se cala. Depois de junho, descobrimos que dá para impor derrotas a Rodrigo Neves [prefeito de Niterói, do PT], ao Cabral e à Dilma".

Em diversos momentos, os manifestantes repetiam os gritos que ficaram conhecidos durante as jornadas de junho, entre os quais "Não vai ter Copa".

Lojistas fechavam as portas à medida que o grupo caminhava pelos três andares do shopping.

CORRERIA

Houve princípio de correria quando a movimentação dos manifestantes assustou alguns clientes do Plaza. Outro momento de tensão aconteceu quando PH Lima foi contido rapidamente por seguranças ao tentar entrar em uma cafeteria que começava a fechar as portas. Seguranças o impediram, assim como o fizeram quando os manifestantes fizeram menção de entrar no cinema.

O rapper carioca também interrompia regularmente o "rolezinho" para discursar, enfatizando questões raciais.

"Quem está aparecendo aqui não são apenas os pobres e negros. A pessoa que está sendo fotografada aqui é o racismo. Se fossem jovens loiros de olhos azuis não teríamos as lojas de portas fechadas nem seguranças acompanhando", disse Lima, apontando para as câmeras e os celulares que registravam a caminhada.

A crítica ao preconceito racial apareceu ainda na forma de outro canto: "Olê olá, se o racismo não acabar a Copa eu vou barrar".

Ainda que os manifestantes gritassem contra o racismo, a reportagem não flagrou em nenhum momento algum tipo de desrespeito dessa natureza.

Parte das pessoas aderiram o rolezinho ali na hora. Era o caso do morador da favela Cantagalo, na região central de Niterói, José Ernesto Rangel Minguta, 42, que de mãos dadas com sua filha, Júlia, 9, gritava palavras de ordem contra o preconceito racial e contra a Copa. Ele contou que tinha conhecimento do movimento rolezinho, mas não estava sabendo do ato marcado para o Plaza.

"Eu vim para comprar um vestido com minha filha, mas decidi deixar as compras para o outro dia. A gente que mora em comunidade é muito desvalorizado. O rolezinho é uma forma de afirmação", disse. Sua filha, Júlia, cantava e ajudava o pai a responder à entrevista. Ela contou que já sofreu preconceito racial na escola por ser negra.

Quem não gostou do rolezinho foram os vendedores das lojas que baixaram as portas. Na loja Star Point, que vende roupas de surf, os vendedores protestaram à sua maneira. Escreveram em uma folha de papel, em tom irônico: "Eu trabalho por comissão. Obrigado, rolezinho".

"Nosso salário é por comissão. Hoje era o último dia que eu tinha para bater a meta de vendas e não pude porque quase não vendemos hoje", disse o vendedor Floriano Pinheiro, 27.

Na loja do Ponto Frio, o clima era o mesmo. Segundo o vendedor João Augusto Rodrigues Neto, 30, em geral, cada funcionário vende em média de R$ 10 a R$ 15 mil em um sábado, dia de maior movimento, segundo ele. "Eu acho válido se manifestar, mas não dentro do shopping porque atrapalha os trabalhadores."

O rolezinho terminou por volta das 20h45, sem registro de incidentes graves. A assessoria de imprensa do Plaza informou que não houve danos ou furtos nas dependências do shopping.

Manifestantes convocaram os presentes para o rolezinho marcado para as 16h30 deste domingo (19) no Shopping Leblon, na zona sul do Rio, e terminaram com um grito também muito repetido nas manifestações de junho: "Amanhã vai ser maior".


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