Folha de S. Paulo


'Raciocinar' muda para 'assassinar' em pedido de prisão de médica

A Polícia Civil do Paraná usou uma declaração inexistente da médica Virgínia Helena Soares de Souza, 56, no pedido de prisão dela como suspeita da morte de pacientes numa UTI de Curitiba. No documento à Justiça, a polícia trocou o verbo "raciocinar" por "assassinar".

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Usada pela polícia, a degravação de um grampo telefônico atribui à chefe da UTI do Hospital Universitário Evangélico a seguinte declaração: "Nós estamos com a cabeça bem tranquila pra assassinar, pra tudo, né?"

O que a médica disse, na verdade, foi: "Nós estamos com a cabeça bem tranquila pra raciocinar, pra tudo, né?". O diálogo ocorreu no dia 24 de janeiro, entre ela e um funcionário da UTI.

Virgínia está presa preventivamente desde a semana passada em Curitiba.

O erro de transcrição foi admitido numa corrigenda (ou seja, uma errata), que também integra o inquérito.

A frase incorreta apareceu no pedido de prisão temporária da médica, no dia 31 de janeiro, e que se fundamenta em outras gravações e depoimentos de funcionários e ex-funcionários da UTI.

Parte da imprensa chegou a destacar a frase com o "assassinar" em jornais, rádios e TVs.

O erro de transcrição, confirmado à Folha pela polícia, foi revelado pela reportagem da RIC TV, afiliada da Rede Record no Paraná.

"FORA DE CONTEXTO"

O advogado da médica, Elias Mattar Assad, disse que as gravações feitas pela polícia "não merecem crédito" e estão fora de contexto.

"Descontextualizaram, pegaram uma frase aqui e outra ali, formaram um raciocínio novo... Não é nada disso", disse. "A Polícia Civil está com problema de audição."

A polícia do Paraná rebateu as acusações e disse que os pedidos de prisão se fundamentam em quase mil páginas de investigações.

As denúncias contra a médica, que estão sendo investigadas há cerca de um ano, afirmam que ela administrava relaxantes ou bloqueadores musculares nos pacientes e diminuía a quantidade de oxigênio dos aparelhos, provocando as mortes por parada respiratória.

Pelo menos 30 pessoas foram ouvidas pela polícia, a maioria funcionários e ex-funcionários da UTI. Muitos dos depoimentos, segundo a polícia, reforçam a denúncia.

A delegada Paula Brisola, que investiga o caso e assinou o pedido de prisão, afirma no inquérito que "esse tipo de delito não deixa vestígios, impossibilitando a realização de levantamentos de elementos materiais capazes de comprovar [o crime]".

Por isso, os grampos telefônicos que contêm frases como "quero desentulhar a UTI" ou "a hora que parar de respirar, foi", são até agora a principal prova da polícia.

Além da médica, outros três médicos e uma enfermeira que trabalhavam sob o comando da chefe da UTI estão presos sob suspeita de terem colaborado para a morte de pacientes. A polícia fala na investigação de possíveis "assassinatos", mas todos os presos negam as acusações.

Henry Milleo/Gazeta do Povo/Folhapress
A médica Virginia Helena Soares de Souza, medica chefe da UTI do hospital Evangélico, escoltada por policiais
A médica Virginia Helena Soares de Souza, medica chefe da UTI do hospital Evangélico, escoltada por policiais

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