Folha de S. Paulo


Apesar de proibido, consumo de carne de gato sobrevive no Vietnã

AFP
TO GO WITH STORY VIETNAM-FOODS-ANIMALS, FEATURE BY CAT BARTON This picture taken on June 19, 2014 shows a dish prepared with cat meat at a restaurant in Hanoi. The enduring popularity of
Prato preparado com carne de gato em um restaurante em Hanoi, no Vietnã

Frita, grelhada ou ensopada, a carne de gato se mantém popular no Vietnã, apesar de seu consumo ser considerado ilegal há quase duas décadas.

A proibição, decretada pelo governo em 1998 para permitir o controle da população de ratos, não parece preocupar quatro amigos que dividem várias porções de gato em um restaurante especializado nos arredores de Ho Chi Minh (antiga Saigon). De vez em quando, param e bebem um licor feito com a bílis do felino, à qual atribuem grandes benefícios para a saúde.

"Venho aqui quase todas as noites, acho que como uns 25 gatos por mês. Não enjoo de vir a este restaurante porque eles sabem preparar o gato de muitas maneiras diferentes", disse Tien, um homem de 30 anos.

O cartaz da entrada, com a imagem de um gato e a inscrição "restaurante de bebê tigre" - forma popular de se referir aos gatos - deixa pouco espaço para a ambiguidade.

Na antessala do restaurante, meia dúzia de gatos de olhar perdido passam as últimas horas encolhidos uns nos outros, à espera de ser sacrificados e preparados para os clientes.

O dono do estabelecimento, aberto há dez anos, evita revelar a origem dos animais, mas Tien não tem dúvidas.

"É uma carne muito macia, mas firme. Não vêm de fazenda, são gatos de rua ou criados com famílias. Sei que tem gente que se dedica a capturá-los para vendê-los aos restaurantes", afirmou.

A teoria é confirmada pela associação Asia Canine Protection Alliance (ACPA), que investigou a procedência da carne de gato no Vietnã. Le Duc Chinh, coordenador da organização defensora dos animais, garante que no Vietnã não existem fazendas de criação de gatos e a maior parte da carne provém de animais de rua ou pertence a famílias, com os conseguintes riscos sanitários.

"Muitos são sequestrados, mas na maioria dos casos é o dono do animal que o vende. Não são tratados como animais de estimação. As famílias os têm para evitar o aparecimento de roedores, por isso não se importam em se desfazer do animal por US$ 7 (R$ 28) ou US$ 10 (R$ 40) por quilo, mais caro do que outras carnes", explicou Le Duc Chinh.

No entanto, a organização acredita que vários restaurantes do norte do Vietnã usam gatos criados em outros países da Ásia. Em janeiro deste ano, a polícia interceptou na capital, Hanói, uma carga de três toneladas de gatos vivos vindos da China.

"As autoridades acreditam que esses animais foram criados em fazendas. Estavam muito fracos, quase não conseguiam se mexer. Provavelmente viviam em jaulas muito pequenas", contou Le Duc Chinh.

De acordo com o coordenador da ACPA, a proibição do governo nunca teve efeito real e os restaurantes especializados funcionam sem qualquer objeção em todo o Vietnã, especialmente no norte.

"Inclusive é normal ver policiais comendo nesses lugares. Muitos acreditam que quem come carne de gato adquire boa sorte", comentou.

Tien, o fiel consumidor, não é movido nem pela superstição da boa sorte, nem pela disseminada crença de que sua ingestão melhora o desempenho sexual masculino. Ele aposta no sabor.

"Muitos vietnamitas não comem o 'bebê tigre' porque nunca provaram, mas é a melhor carne. A de cachorro é muito mais engordurada", argumenta, entre uma garfada e outra.

O único tipo que ele ainda não experimentou é a carne de gato preto.

"São os melhores, mas o preço é muito alto e são difíceis de encontrar. O licor de bílis de gato preto é melhor para a saúde", comentou.

Apesar de ser muito comum encontrar pessoas que pensam como Tien e seus amigos em todo o país, Le Duc Chinh diz que a percepção da população está mudando aos poucos.

"Muitos vietnamitas sempre viram isso como normal, mas cada vez mais as pessoas rejeitam comer as carnes de cachorro e gato, principalmente os jovens", destacou.


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