Folha de S. Paulo


Para chef de ousado restaurante espanhol, terceira estrela 'Michelin' é 'um milagre'

"Queimo! Queimo!" O cozinheiro grita enquanto tenta passar entre os colegas espremidos na minúscula cozinha do DiverXo, restaurante de Madri tão pouco ortodoxo que ter obtido a terceira estrela Michelin é algo considerado um "milagre" para seu jovem chef.

Em novembro, ele se transformou no oitavo restaurante espanhol coroado pelo prestigioso guia francês. O chef David Muñoz, de 33 anos, é o espanhol mais jovem da história com tal reconhecimento.

Pierre-Philippe Marcou/AFP
O chef espanhol David Muñoz no restaurante DiverXO
O chef espanhol David Muñoz no restaurante DiverXO

No entanto, a primeira vista, nada te faria suspeitar disso: situado em um discreto local de um bairro anódino, não há porcelana, nem talheres de prato e você pode ter a impressão de estar entrando pela cozinha.

"Buscamos uma experiência brutal", explica Muñoz à AFP com um sorriso travesso enquanto em 30m2 uma quinzena de cozinheiros muito jovens vestido de preto, alguns com tatuagens, tdoos com o cabelo coberto por lenços, preparam, entre enormes caçarolas que enchem o ar de vapor, seu primeiro jantar desde que subiram de categoria.

"O que acontece em DiverXo é um absoluto milagre", diz Muñoz, celebrando que a bíblia gastronômica ousou dar "um passo adiante". "DiverXo vem mudar completamente o conceito do restaurante três-estrelas "Michelin'", diz o jovem que nasceu em uma família distante da hotelaria, que já com 14 anos comprava livros de cozinha criativa.

Tudo nele rompe os moldes, começando por seu aspecto: cabeça raspada deixando um moicano, dois alargadores nas orelhas e tênis desamarrado. Ao restaurante "há que vir de mente aberta", diz Manuel Villalba, que com seus 26 anos é o segundo na cozinha - há três anos.

Porque aqui "tudo é possível e é necessário estar disposto a se surpreender", afirma reconhecendo que também para os cozinheiros "é uma montanha-russa".

Passando as portas de vidro da adega, uma fileira de gigantescas formigas prateadas leva a uma pequena sala para 30 pessoas, decorada com um espiral de mariposas negras e esculturas de porquinhos rosados com asas negras.

Muñoz elabora uma experiência personalizada para cada cliente nas versões curta - que por 95 euros (R$ 302), encadeia 7 pratos que fundem oriente e ocidente em duas horas e meia - e longa - de quatro horas por 140 euros (R$ 446).

Como a cozinha é minúscula, os cozinheiros acabam à vista de todos, entre a entrada e a sala, e servem eles mesmos os clientes em uma particular coreografia.

O bacalhau, por exemplo, chega cru, apenas borrifado com azeite de oliva fervente, acompanhado de pele de batata e um molho de chili curtido. Mas, no momento em que se finca o garfo, um cozinheiro acrescenta maionese quente. Enquanto se come outro cozinheiro traz um creme de bacalhau, ouriço-do-mar e bacon, explica Villalba.

O cardápio não fala de ingredientes, mas de sensações. "Agridoce e pulsante", diz sobre um prato batizado de Hannibal Lecter: um ketchup a base de tamarilho e tabasco simula um sangrento assassinato, sob um dumpling recheado de pato com mole, ao que se somam espetinhos de língua de pato fritas. "Tem gente que fica em estado de choque", diz Ângela Montero, esposa de David e responsável pelo salão.

Esta magérrima bailarina de 28 anos passa toda a manhã atendendo telefonemas, visivelmente sobrecarregada pela 2.000 reservas feitas de todo o mundo. Desde o dia do prêmio, a espera disparou em seis meses.

Ela relembra quando abriram, em 2007, o primeiro DiverXo, em outro lugar, "pequeno, mal localizado e muito feio", no qual haviam investido todas as suas economias e onde dormiram por seis meses.

"A única coisa que podíamos fazer era encantar os clientes com a boa cozinha", diz.

"Chegar até aqui nos custou um preço pessoal muito grande", reconhece Muñoz, um obsessivo que trabalha 15 horas diárias.


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