Folha de S. Paulo


Adote um bom-dia: pela adoção de filhos

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 20-04-2017: Revista Sao Paulo. Especial Dia das Maes. Camila Martines,32, brinca com seu filho adotivo Joao Vitor, 1 ano e 10 meses no condominio onde vivem na Vila Matilde. (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, Revista Sao Paulo).
Camila Martines, 32, brinca com seu filho adotivo, João Vitor, 2, no condomínio onde vivem em SP

As adoções de crianças me emocionam profundamente, talvez porque eu saiba o quão árduo pode ser o percurso que une uma criança sem família a uma família sem criança. Temos sempre mais crianças precisando do que famílias interessadas, e é dificílimo julgar quem está apto e desejoso o suficiente para assumir essa responsabilidade.

No afã de alertar para a baixa adoção de crianças maiores de cinco anos (a preferência maciça tem sido historicamente pelos bebês), o Tribunal de Justiça de São Paulo lançou a campanha "Adote um boa noite", controversa pela alarmante simplificação da adoção, mas que merece ter alguns pontos apreciados com o intuito de contribuir com a enorme tarefa que esses profissionais tentam dar conta, mas também para a diminuição das recorrentes devoluções ou maus-tratos de crianças adotadas.

A criança adotada, como todo filho, não prima pela gratidão antes da aquisição de certa maturidade. Portanto, se você está adotando à espera de gratidão e reconhecimento, sugiro que faça outra coisa. Cabe aos filhos testar o amor dos pais para saberem se ele é confiável. Ninguém vai precisar tanto desta confirmação quanto uma criança que já foi preterida. Nesse caso, se a criança ousar confiar no seu amor, o que é bom sinal, agirá como um filho demandante e desafiador por algum tempo, esperando tanto amor quanto limite –dobradinha de ouro da criação e que só pais amorosamente investidos têm força para sustentar ao longo do tempo.

Quanto a "fazer o bem", vamos e convenhamos que a escolha por ter filhos implica motivações inconscientes, geralmente ignoradas. Temos filhos por razões que nos escapam e que são profundamente narcísicas. Você quer ter filhos? Não coloque isso na conta deles, assuma suas motivações, sejam quais forem. Ignorá-las só traz ressentimento e raiva.

Quem quer uma gestação nem sempre quer um bebê, e quem quer um bebê nem sempre quer um adolescente, etc. Maternidade e paternidade são funções vitalícias e intransferíveis, enquanto que a fase bebê-criança é rapidíssima em relação ao conjunto da obra.

Embora pertencer a uma família possa ser o sonho da maioria das crianças abrigadas, é importante reconhecer que algumas crianças se encontram mais protegidas em instituições acolhedoras (sim, elas existem) do que em lares inapropriados, pois a família não é a única instituição capaz de formar um sujeito dignamente.

Muitas crianças poderiam ter ficado com suas famílias de origem se essas não estivessem numa situação de penúria, o que significa reconhecer que a parentalidade no Brasil e países semelhantes é um privilégio social. Ricos criam herdeiros de "Caras", pobres criam estorvos. Não passamos incólumes pela escuta em análise de mulheres que entregaram à adoção filhos desejados, para que eles não passassem terríveis privações ao lado delas, comprovando a dita sapiência do rei Salomão.

Que os candidatos a pais e mães adotivos idealizem essa escolha é de se esperar, mas que não sejam alertados quanto à real natureza dessa tarefa é temerário. Criar filhos continua sendo uma das experiências humanas mais fantásticas, embora o seja pelas razões opostas às que são veiculadas na mídia. Adote um boa-noite, um bom-dia e um boa-tarde para sempre.


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