As adoções de crianças me emocionam profundamente, talvez porque eu saiba o quão árduo pode ser o percurso que une uma criança sem família a uma família sem criança. Temos sempre mais crianças precisando do que famílias interessadas, e é dificílimo julgar quem está apto e desejoso o suficiente para assumir essa responsabilidade.
No afã de alertar para a baixa adoção de crianças maiores de cinco anos (a preferência maciça tem sido historicamente pelos bebês), o Tribunal de Justiça de São Paulo lançou a campanha "Adote um boa noite", controversa pela alarmante simplificação da adoção, mas que merece ter alguns pontos apreciados com o intuito de contribuir com a enorme tarefa que esses profissionais tentam dar conta, mas também para a diminuição das recorrentes devoluções ou maus-tratos de crianças adotadas.
A criança adotada, como todo filho, não prima pela gratidão antes da aquisição de certa maturidade. Portanto, se você está adotando à espera de gratidão e reconhecimento, sugiro que faça outra coisa. Cabe aos filhos testar o amor dos pais para saberem se ele é confiável. Ninguém vai precisar tanto desta confirmação quanto uma criança que já foi preterida. Nesse caso, se a criança ousar confiar no seu amor, o que é bom sinal, agirá como um filho demandante e desafiador por algum tempo, esperando tanto amor quanto limite –dobradinha de ouro da criação e que só pais amorosamente investidos têm força para sustentar ao longo do tempo.
Quanto a "fazer o bem", vamos e convenhamos que a escolha por ter filhos implica motivações inconscientes, geralmente ignoradas. Temos filhos por razões que nos escapam e que são profundamente narcísicas. Você quer ter filhos? Não coloque isso na conta deles, assuma suas motivações, sejam quais forem. Ignorá-las só traz ressentimento e raiva.
Quem quer uma gestação nem sempre quer um bebê, e quem quer um bebê nem sempre quer um adolescente, etc. Maternidade e paternidade são funções vitalícias e intransferíveis, enquanto que a fase bebê-criança é rapidíssima em relação ao conjunto da obra.
Embora pertencer a uma família possa ser o sonho da maioria das crianças abrigadas, é importante reconhecer que algumas crianças se encontram mais protegidas em instituições acolhedoras (sim, elas existem) do que em lares inapropriados, pois a família não é a única instituição capaz de formar um sujeito dignamente.
Muitas crianças poderiam ter ficado com suas famílias de origem se essas não estivessem numa situação de penúria, o que significa reconhecer que a parentalidade no Brasil e países semelhantes é um privilégio social. Ricos criam herdeiros de "Caras", pobres criam estorvos. Não passamos incólumes pela escuta em análise de mulheres que entregaram à adoção filhos desejados, para que eles não passassem terríveis privações ao lado delas, comprovando a dita sapiência do rei Salomão.
Que os candidatos a pais e mães adotivos idealizem essa escolha é de se esperar, mas que não sejam alertados quanto à real natureza dessa tarefa é temerário. Criar filhos continua sendo uma das experiências humanas mais fantásticas, embora o seja pelas razões opostas às que são veiculadas na mídia. Adote um boa-noite, um bom-dia e um boa-tarde para sempre.