Folha de S. Paulo


Razões de mãe

Você colocaria fotografias das várias fases do seu filho em um blog? Muita gente diria que não, algumas que sim.

Você tiraria uma foto sorrindo, com o seu filho no colo, para uma reportagem com o título "Mães colocam crianças em "Baby Brother" na internet"? Todo mundo, com alguma sanidade, responderia que não.

A Folha, infelizmente, não fez essa segunda pergunta à entrevistada na reportagem publicada no domingo passado (http://bit.ly/fX92Jh). O texto, que falava de blogs maternos, em que mulheres contam o desenvolvimento dos filhos e trocam experiências, condenava, na boca de três especialistas, esses sites.

A foto era da autora do site "Nascendo uma Mãe", Giovana Reobol, 35, com Lucca, 2. "Fui procurada para falar sobre blogs com histórias de crianças, não sabia que a discussão era sobre expor intimidades", reclama Giovana.

A Redação afirma que o texto "constatou um fenômeno" e que a entrevistada foi questionada sobre os prós e os contras dessa prática. "A repórter me perguntou sobre privacidade, só que o foco da entrevista não era esse, falei muito pouquinho. A questão foi "en passant'", conta Giovana.

Para os estudiosos ouvidos pela Folha, esses blogs são perigosos, porque podem ser acessados por criminosos, dão margem a "bullying" e podem fazer com que a criança cresça sem noção de intimidade, sem respeitar a própria e a do outro. "Por que essa mãe alimenta essa necessidade?", perguntava uma psicóloga da USP.

"Ficou a impressão de que sou uma péssima mãe. E ainda uma idiota alienada, que aceita aparecer sorrindo numa reportagem como essa", diz Giovana, que afirma selecionar as imagens e mensagens postadas para não constranger o menino no futuro.

Não havia na reportagem nenhuma voz dissonante entre os especialistas, o que provocou, com razão, a ira das blogueiras. Em um post no Facebook, decretaram: "Maus jornalistas mexeram com a categoria errada: mães".
Elas afirmam que esses sites ajudam a trocar experiências, a diminuir a insegurança e a fazer novas amizades, além de trazerem dicas práticas sobre gravidez, amamentação, doenças infantis etc.

A empresária Carolina Longo, 31, do blog "Mulher e Mãe", postou que "a matéria trata todas nós, mães blogueiras, como se nossa única intenção fosse expor a família". "A mulher que vira mãe é massacrada por julgamentos, como se não bastasse ter de lidar com suas próprias culpas. Além disso, a maternidade gera uma certa reclusão. Junte esses fatores e você terá mulheres angustiadas e sem poder colocar isso para fora. Nos blogs e no Twitter, elas encontraram uma conexão com outras que passam pelas mesmas angústias", defende.

Tudo indica que a Folha não entendeu as mães blogueiras -ou não deu voz suficiente a elas. Nada contra levantar as possíveis consequências negativas dessa prática, alertar para os riscos, mas a reportagem ficou apenas nisso. Incorreu em alguns problemas clássicos do jornalismo: falta de transparência com o entrevistado, tratamento superficial do tema e visão única dos "especialistas", chamados quase sempre a opinar genericamente, sem examinar os casos enfocados.

A Folha acabou, ao denunciar mulheres que exibem suas crianças na rede, fazendo pior. Expôs injustamente mãe e filho, em um veículo de alcance muito maior que o de um blog de interesse restrito.

EU AMO FUSCA

No final de semana passado, a Folha provocou revolta também nos fãs do Fusca. A capa da Ilustrada de sábado começava assim: "Era feinho, desconfortável e barulhento. Tinha fama de não deixar ninguém na mão, mas, já em seus últimos suspiros no Brasil, em 1996, era carro de pobre, suburbano, ou nostálgico". Várias pessoas criticaram a frase preconceituosa. "É impressionante ver alguém da imprensa destilar uma idiossincrasia dessas", escreveu Daniel Marchi, que se define "advogado, professor universitário e dono dedicado de seis Fuscas, uma Kombi e uma Brasília".


Endereço da página: