Folha de S. Paulo


Encontros com homens notáveis

São Paulo, ontem. Peguei o metrô na nova estação Fradique Coutinho rumo à estação Berrini da CPTM.

Tudo bem nos dois trajetos, mas, na baldeação na estação Pinheiros, a falta de luz sinalizava o por vir.

Cheguei mais cedo e mais tranquilamente do que se tivesse ido de carro ao World Trade Center de São Paulo. Engravatados do mercado financeiro lotavam o teatro em evento do setor de fundos de investimento. Poucas mulheres. Quase nenhum negro. No palco, muito aguardado, entra Joaquim Barbosa.

Aplausos, muitos aplausos.

A palestra era sobre ética nos negócios, mas não faltaram bordoadas na máquina pública, na iniciativa privada, nos Três Poderes, na presidente, na desigualdade social e econômica.

Barbosa é parte de um movimento que ele mesmo apontou como fundamental: o avanço e o fortalecimento das instituições brasileiras. Para prová-lo, disse que o traumático confisco da poupança cometido pelo governo Collor hoje seria derrubado no Supremo em questão de horas. Alívio sabê-lo.

A plateia ficou ainda mais interessada quando ele começou a falar de corrupção. Disse que ela não é um fenômeno pessoal, mas mais abrangente, que torna o capitalismo capenga, prejudica o progresso econômico e subtrai racionalidade do agente público.

Ele não acredita que a corrupção será eliminada só com regras e leis, ela tem que ser objeto de discussão ampla. E argumentou que esse movimento anticorrupção no Brasil está inserido num processo internacional.
Citou a "dura e inclemente" lei americana anticorrupção (a FCPA) como a moldura desse combate. E o nosso foro privilegiado como obstáculo.

Questionado pela plateia sobre o Judiciário, Barbosa sentenciou: Faltam cabeças pensantes no nosso Judiciário para se chegar a um grande consenso sobre mudanças fundamentais. Sobre o Legislativo: Usa seu poder para chantagem. Dilma: num gesto insensato, deixou de vetar lei que aumentou o fundo partidário, um erro político imperdoável.

A última pergunta da plateia foi sobre a possibilidade de se candidatar à Presidência. A resposta: para isso tenho que ter vontade, até agora não tive, mas isso não quer dizer que não possa vir a ter.

Ao final, mesmo os contidos executivos do mercado ovacionaram de pé o ex-juiz supremo.

Saí no começo de uma noite agradável de outono, mas já na porta da estação da CPTM o caldo começou a engrossar. As filas tomavam a rua. Na entrada, aviso de atrasos atribuídos a falha elétrica.

Plataformas entupidas. Trens entupidos. Pessoas esmagadas como coxinhas. "Vida de gado", disse alguém. Clima de consternação e aceitação. A mulher do meu lado, no redemoinho humano, seguia impassível vendo um filme no telefone com fones de ouvido. Outra dormia em pé. Na estação Hebraica-Rebouças, o trem ficou parado quase 10 minutos, vagões fechados. Ninguém se revoltou. Um ou outro sarcasmo, mas o cansaço impunha inação e acomodação.

Esmagado e travado sob a linha de trem alvo de investigações de corrupção, as palavras implacáveis de Barbosa ecoavam na minha cabeça. Ele devia falar às multidões.


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