Folha de S. Paulo


Apenas esperto

RIO DE JANEIRO - Orson Welles disse certa vez a seu colega Peter Bogdanovich que, em criança, apertara a mão de um homem que apertara a mão de Napoleão. "Ou seja, estive a um aperto de mão de Napoleão", gabou-se. Bogdanovich não discutiu. Registrou e publicou.

Vejamos. Napoleão morreu em 1821, em Santa Helena, ilhota britânica mais para a África que para a Europa. Welles nasceu em 1915, na pequena Kenosha, no Wisconsin. Digamos que o homem tivesse dez anos quando apertou a mão de Napoleão no último ano de vida deste, 1821, e Welles tivesse seis quando ele apertou a sua, em 1921. Já teria então 110 anos. Mas Welles não o identificou como tão velho. E o que fazia esse homem em lugares tão ermos, como Santa Helena e Kenosha?

A história de Orson não era impossível, só improvável. E, se fosse inventada, seria um grão de areia diante de sua formidável obra em cinema, teatro, rádio, TV e mafuá. Bem diferente de Bob Lester, pseudônimo do gaúcho Edgar Lima, que levou décadas enganando as pessoas dizendo ter sido membro do Bando da Lua e trabalhado com Carmen Miranda nos EUA. Bob morreu há pouco e escrevi uma coluna ("Agora faz", "Opinião", 9/11), desmentindo-o.

Há dias, recebi de Ronald Ozorio, a quem não conheço pessoalmente, a cópia de uma carta que seu pai, o músico Stenio Ozorio, enviou para "O Globo" em 10 de março de 1978. Nela Stenio protestava contra uma reportagem em que Bob Lester já contava e vivia desta história sem ser contestado. Um trecho da carta diz: "O Bando da Lua era formado por Helio Pereira, Afonso Ozorio, Stenio Ozorio, Ivo Astolfo, Aloysio de Oliveira e Oswaldo Eboli (Vadeco). Em 1939, embarcamos para os EUA, não tendo o Sr. Lester integrado o grupo em tempo algum".

Para Stenio, Bob Lester tinha "problemas psiquiátricos". Para mim, era apenas esperto.


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