Folha de S. Paulo


Existe, logo existe

RIO DE JANEIRO - Nos anos 70, o Rio vivia pichado com as inscrições "Celacanto provoca maremoto" e "Lerfá mu". As pessoas liam aquilo, não entendiam e não adiantava perguntar, porque ninguém sabia responder. Até que desapareceram. Falou-se depois que os autores eram dois estudantes da PUC. Mas o significado continuou um segredo.

Este ano, outra inscrição cobriu paredes em toda a cidade: "Carne de rã" –e seguia-se um número de telefone. Mas, se você gostasse de rã e quisesse fazer uma encomenda, frustrava-se porque o telefone nunca atendia. Imagino que, naquele momento, alguém devia estar rindo sozinho dos que já se viam saboreando um prato de rãs à provençal. Pichações são assim: um prazer solitário do pichador.

Também este ano, surgiram por toda parte no Rio cartazes de uma cantora chamada Hanna, promovendo seu disco "O Amor é Bossa Nova - Homenagem a João Gilberto" e anunciando: "CD [em] breve". Ótimo. Só que ninguém se lembra de já ter escutado Hanna cantando, seja ao vivo, em discos, no rádio ou por telepatia. É um sucesso, mas não se sabe onde dá shows, se segue o estilo Nara ou Elis, ou mesmo se existe.

O mistério foi quebrado há pouco pelo repórter Emiliano Urbim, da Revista "O Globo". Ele localizou Hanna no Rio, entrevistou-a e ela até se deixou fotografar. É uma morena vistosa, na faixa dos 50 anos, e ela própria banca a impressão e a aplicação dos cartazes. Diz-se ex-namorada de Paulo Coelho e, há tempos, teria se correspondido com João Gilberto pelo Facebook –embora nunca se provasse que, com ela ou com qualquer um, fosse o verdadeiro João Gilberto no outro lado da linha.

Pois, para nosso alívio, Hanna existe. Não é uma miragem, nem apenas um cartaz. Mas continua a ser uma espécie de "Lerfá mu" ou "Celacanto provoca maremoto", só que humano. Talvez seja a vendedora das rãs.


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