Em 19 de maio de 2014, este colunista escreveu um artigo intitulado "O racionamento da verdade em SP". Tratava da falta d'água, visível a olho nu mas negada com veemência pelo Palácio dos Bandeirantes. Um trecho:
"Tudo não passaria de caprichos da natureza se o colapso não fosse anunciado. Em metade da região metropolitana, São Paulo convive com a perda física de água de 45% no caminho que vai da represa ao consumidor.
Pelo menos desde maio do ano passado [ou seja, em 2013!] o nível do sistema Cantareira vem definhando. O que foi feito? A Sabesp, controlada pelo Estado, não explica. Em compensação, os moradores receberam um encarte com o pomposo nome de 'Relatório Anual de Qualidade da Água' relativo a...2013! Talvez porque não tenha sobrado água nem para fazer exames mais recentes."
Dito e feito. Atualmente, nem sequer o governador Geraldo Alckmin, do PSDB, é capaz de admitir que o Estado escapou do racionamento. Reconhece, implicitamante, que mentiu descaradamente com fins eleitorais enquanto milhares de famílias conviviam com a torneira seca.
E daí? Nada. A Assembleia Legislativa, salvo raríssimas exceções na área de direitos humanos, é um escárnio à democracia. Não se encontra um parlamentar disposto a comprar uma briga com o governo estadual. O pessoal esconde-se na condição de minoria, esquecendo que nunca serão maioria a prosseguir na base do compadrio subserviente. Os resultados das eleições falam por si. Paga-se milhões para que deputados encenem debates, apresentem propostas diante de plenários esvaziados e depois concorram a reeleições. A Câmara Municipal paulistana não fica muito longe disso.
São Paulo vive tempos de faroeste. Estimula-se a delação, sem prêmio mesmo, para quem descobrir alguém usando água fora do figurino oficial. Contudo, dos anos e anos em que nada se fez como prevenção e descontando declarações protocolares, silêncio absoluto nas instâncias políticas de situação ou oposição. Melhor para os acionistas privados da Sabesp. Vendida a preço de banana, a Eletropaulo também faz troça do contribuinte. Este tenta se defender como pode. Sequestra funcionários da empresa cobrando como resgate a volta da energia. Depois, todos caem na cervejinha. Dá para acreditar?
E ainda tem gente lamentando que o pessoal vira as costas para a política. Ainda bem. Por que a política predominante no Brasil, infelizmente, é a política dos que só se lembram do povo na hora do voto. Depois hibernam quatro anos apostando em discursos e na falta de memória alheia.
A falta de compromisso de governantes e legisladores com o povo eleitor é o principal motivo de descrédito. A única coisa democrática é a distribuição da irresponsabilidade. Tome-se o caso de Brasília. O governador Agnelo Queiroz, do PT, deixou a capital do país em petição de miséria. Passou o mandato inteiro equilibrando-se entre acusações de corrupção e liminares judiciais. Findo seus quatro anos, vai para Miami gozar (ou prolongar) férias. O partido se cala, e a cidade que se dane.
Certos estão os metalúrgicos do ABC. Fraudados em direitos estabelecidos no papel passado, saíram à luta sem esperar benesses de engravatados. Não aceitaram demissões. Fizeram greve –veja só, a boa e antiga greve!– e o patronato cedeu.
É o que tende a acontecer nas companhias envolvidas no escândalo da Petrobras. Os operários nada têm a ver com as maracutaias misturando governo, partidos e empresários muitíssimo bem estabelecidos. Como sempre, a conta está sendo espetada nos primeiros na forma de demissões em massa. Quem quiser realmente mudar a política tem que olhar para este lado, e não fingir audácia em tertúlias nos corredores do Congresso.