Folha de S. Paulo


Combustível para a guerra

Para cada brasileiro que comemora atentados terroristas nos Estados Unidos ou que torce pela Coreia do Norte contra os americanos, há 50 brasileiros que escolheriam passar metade do ano na superpotência fazendo compras, estudando, trabalhando ou até mesmo assistindo a todas as séries possíveis da TV americana.

Mas como esse brasileiro que acha que o mundo seria melhor se a União Soviética tivesse vencido a Guerra Fria invariavelmente habita a elite brasileira (quem diria, a intelectual), essas opiniões antiamericanas acabam tendo um destaque desproporcional.

Ironicamente para os antiamericanos, atentados contra o país ou ameaças do jovem Kim, em vez de significarem uma "derrota" americana, são um combustível para a máquina armamentista do país. Os maiores reacionários americanos já querem culpar o atentado aqui em Boston ao fundamentalismo muçulmano ou salivam diante das ameaças do baby Kim para exigirem "respostas duras" do governo.

Obama já demonstrou que não herdou os sonhos imperiais de impor o modelo americano ao mundo que Bush tinha. Demorou o quanto pôde para intervir na Líbia e está olhando para o outro lado no drama da Síria. Pode até ser omisso, mas é bem menos intervencionista. Mas com o declínio da guerra do Afeganistão, a máquina de guerra vai ficar sem uma grande operação externa para faturar. Só os drones são pouco para essa indústria da guerra.

Essa é a preocupação de uma das grandes cabeças americanas --sim, há uma multidão de americanos pacifistas. É imperdível assistir ao monólogo do apresentador Bill Maher na semana passada na HBO, a respeito das ameaças da Coreia do Norte. Ele justamente fala sobre como a paz deveria ser a demonstração de força americana.

Se você não domina bem o idioma, vale a pena fazer um curso inteiro de inglês para assistir às dezenas de vídeos de Maher no Youtube.

Como quase todo apresentador de TV do país, ele se formou na escola dos comediantes de improviso, os repentistas do humor que animam bares e teatros --e se tornou uma das vozes mais lúcidas e contrárias do establishment americano.

Enquanto temos Rafinha Bastos --e celebramos a novidade de que biografias possam ser publicadas sem autorização dos herdeiros--, Bill Maher é um lembrete que, com todos seus defeitos, os Estados Unidos têm uma liberdade de expressão e uma inteligência no humor de nos matar de inveja. Mesmo em tempos de guerra. Torcer pelo atraso que vem de fora é reforçar a linha dura do atraso doméstico no país.

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