Folha de S. Paulo


Outras viradas

Com uma apresentação hoje da ópera "I Pagliacci" no Pátio do Colégio, a Virada Cultural chegará ao fim de mais uma edição. Criado em 2005, quando recebeu 300 mil pessoas, desta vez o megaevento deve reunir entre 3 e 4 milhões, a maior parte delas no centro de São Paulo.

Em um país paupérrimo de ideias criativas do poder público, a Virada constitui uma exceção. Lançada na gestão José Serra (PSDB) e ampliada na administração de Gilberto Kassab (do recém-criado PSD), o evento se notabilizou por programação eclética, organização e segurança. Registraram-se incidentes, mas nada significativo diante do gigantismo dos espetáculos.

A Virada, contudo, deve ser tomada pelo que é: uma grande festa, que movimenta a cidade durante um fim de semana. Tê-la como parte de um movimento efetivo de revitalização do centro é artimanha política. Convém desconfiar.

Em artigo anteontem na Folha, Kassab escreveu que a Virada é uma "prova do desejo do paulistano por compartilhar o espaço público e tomar posse do centro". De acordo com ele, "é gostoso ver famílias inteiras andando em plena noite" na região.

Ok, prefeito, chama mesmo a atenção o vaivém das multidões madrugada adentro em avenidas como a Ipiranga e praças como a Sé. Mas, e na noite seguinte?
Que proeza impedirá que o centro volte a ser como o conhecemos há décadas: inseguro, mal iluminado, sujo?

Ao iniciar seu segundo mandato, Kassab apontou a recuperação da região como uma de suas principais bandeiras. Na linha de frente, estava a Nova Luz, projeto que prevê novo plano urbanístico após a demolição de 30% da área da cracolândia.

A Nova Luz, no entanto, avança lentamente, em evidente descompasso com a urgência exposta nos discursos. A licitação para a escolha da empresa responsável pelas obras deve ser concluída apenas no início de 2012, último ano de Kassab à frente da prefeitura. Ou seja, nesta gestão haverá, se tanto, o início das construções. Enquanto os tijolos não sobem, as pedras de crack pulam de mão em mão.

Nas demais áreas do centro, a prefeitura restaura alguns edifícios antigos para atender os moradores de baixa renda. É uma ação louvável, mas insuficiente, considerando que o renascimento da região depende de um afluxo maior de novos moradores.

A administração pública deveria criar meios de atrair a iniciativa privada para o lançamento de novos empreendimentos e, sobretudo, para a reforma de prédios históricos.

Hoje, a burocracia afugenta investimentos das empresas do ramo imobiliário.

Nada disso tira os méritos da Virada Cultural. Mas que não se peça a músicos, atores e dançarinos para salvar o centro. A eles cabe fazer a festa, o que não é pouco.

NAIEF HADDAD é editor de Especiais.


Endereço da página: