Folha de S. Paulo


A falta de debate eleitoral

As disputas eleitorais para a Presidência da República e para o governo paulista seguem indigentes. Como já me referi em outros textos, a base das campanhas tem sido, até agora, a troca de acusações e de xingamentos.

Com o acirramento, na semana que passou, dos ataques criminosos do PCC em São Paulo -maior colégio eleitoral e gênese das duas principais candidaturas que disputam o Planalto, PT e PSDB-, a falta de programas de governo e de propostas para ações imediatas ficou flagrante.

A imprensa continua com dificuldades para escapar deste ambiente de baixarias e insiste numa cobertura superficial (muitas vezes leviana, mesmo), sustentada por declarações inconseqüentes e fatos menores.
O esforço, nesta semana, para situar as duas principais candidaturas à Presidência na falência das políticas de segurança pública em vigor não foi bem-sucedido, pelo menos não até sexta-feira. Ficou claro que a imprensa, que tem bons analistas -não necessariamente acadêmicos- em áreas como jornalismo internacional, economia e futebol, por exemplo, quase não conta com quadros com conhecimentos em áreas estratégicas como a de segurança pública.

E, quando a imprensa não tem esses quadros nem a capacidade de compreensão e análise do que assiste, o jeito é apelar para a fórmula clássica de coberturas de crise: muitas páginas para dar a impressão de uma "grande cobertura", muito factual desimportante e uma pequena janela para os "especialistas" catados às pressas. É muito pouco para o momento do país e as expectativas dos que querem enxergar além do imbróglio eleitoral. Como questionar os candidatos e seus programas se não estamos preparados?

Ainda há tempo para discussões internas nas Redações a respeito dos rumos da cobertura, que terá de tratar de outros assuntos igualmente complexos, como Previdência, geração de empregos, desenvolvimento, Estatuto Racial, política externa, programas sociais e tantos mais.

Para contribuir para essa discussão, reproduzo uma espécie de roteiro para superar os entraves que estariam impedindo a melhoria do debate eleitoral. É um roteiro elaborado, numa série de artigos publicados no jornal "Valor", pelo cientista político Fernando Luiz Abrucio.

Seus comentários não se destinam originalmente à imprensa, mas a identificação dos principais aspectos que submetem o debate nacional à miséria constatada pode servir de rumo para uma cobertura jornalística que de fato tenha relevância.

Os cinco entraves à melhoria do debate eleitoral identificados por Abrucio:

1 - "Os problemas institucionais que enfraquecem a discussão de uma agenda legislativa nacional, por conta do papel menor dado ao pleito parlamentar (pelos eleitores e pelos próprios políticos) e em razão da coincidência espúria entre as eleições estaduais e a federal".
2 - "A necessidade de reformas profundas e com efeitos de longo prazo, as quais afetam fortes interesses no plano imediato -algo que só poderia ser resolvido com a adoção de medidas com aplicação gradual e com impactos ao estilo "bola de neve", afetando positivamente outros temas".
3 - "A baixa participação da população brasileira, em especial da chamada sociedade civil organizada, na vida política dos partidos, mesmo num período eleitoral precedido por uma enorme crise de representação".
4 - "A falta de indicadores objetivos e de fácil acesso a todo eleitorado, capazes de mensurar os resultados das políticas públicas alcançados por governantes diferentes -no lugar disso, instala-se um debate dominado pelo neo-udenismo ou por falsas contraposições classistas".
5 - "A disputa política não está ancorada numa verdadeira oposição entre projetos nacionais bem definidos".


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