Folha de S. Paulo


Próspero 2005!

Esta é a última coluna de 2004 e pretendo levantar alguns pontos para reflexão. Não é um balanço. Apenas retomo problemas que venho tratando, desde abril, relativos ao relacionamento imprensa e sociedade.

A LONGA TRAVESSIA
As empresas jornalísticas terminam o ano em situação financeira melhor do que começaram. Não deixaram o deserto que atravessam desde 2001, mas enxergam horizonte. Alguns indicadores:
1 - Quase todas renegociaram as dívidas, agora majoritariamente transformadas em reais e alongadas. Respiram, portanto, mesmo com o naufrágio das negociações com o BNDES.

2 - O mercado publicitário deverá crescer, calcula-se, entre 20% e 25% em relação ao fraco 2003. Segundo o Projeto Inter-Meios, da revista "Meio & Mensagem", houve um crescimento de 25,5% nos primeiros nove meses deste ano comparados com o mesmo período do ano passado. Os jornais cresceram 18,9%. A parte do leão continua com as TVs abertas, que abocanham 61% do bolo publicitário.

3 - A média da circulação diária dos jornais estará abaixo de 2003, mas o resultado do segundo semestre mostra que é possível que a tendência de queda tenha estancado.

4 - Alguns diários voltaram a "cuidar do produto", para usar o jargão dos executivos. É o caso, por exemplo, do "Estado", principal concorrente da Folha, que fez, em outubro, uma ampla reforma gráfica e temática. Ainda é cedo para um balanço do novo projeto, mas tudo indica que tenha sido bem-sucedido.

5 - A Folha, que realizou em julho o maior corte de jornalistas de sua história recente e promoveu o achatamento dos salários da Redação, vive a perspectiva de um ano melhor. As informações que colhi indicam que prevê um alívio financeiro a partir de meados de 2005, se a economia continuar a crescer. Sempre no condicional. O jornal mal respirou em 2004. Seus maiores investimentos foram nas coberturas da Olimpíada da Grécia e das eleições no Brasil (municipais) e nos EUA (presidencial).

A IMPACIÊNCIA DO LEITOR
A situação das empresas jornalísticas está melhor, mas seus problemas estão longe de estarem resolvidos. O equilíbrio precário foi alcançado graças, principalmente, aos violentos cortes de pessoal e de despesas praticados nos últimos anos. A necessária reestruturação das dívidas alivia, mas não reduz a dependência dos bancos. As empresas estarão, em 2005, com um olho no desenvolvimento da economia e outro nos juros.
No caso dos jornais, eles perderam poder competitivo no momento em que mais precisavam de forças e recursos para enfrentar a concorrência abundante de novas fontes de informação e a crescente impaciência de leitores diante de edições irregulares.

É de se esperar que, com o abrandamento da crise, os jornais percebam com mais clareza que os obstáculos para um novo ciclo de crescimento não estão apenas na economia e na gestão, mas que devem discutir o papel do jornal numa sociedade que vive mutações rápidas e constantes. Que jornal produzir? Não existe resposta fácil.
Será um desafio cada vez maior atrair novos leitores, principalmente leitores jovens, indispensáveis para a renovação dos jornais. E será cada vez mais difícil agradar cidadãos saturados de notícias e bombardeados pelos apelos do mercado.

O Conselho Federal de Jornalismo tal como foi concebido inicialmente pelos sindicatos de jornalistas está enterrado, mas a discussão que tentou provocar mais cedo ou mais tarde voltará a emergir. A repulsa a qualquer forma de controle estatal não pode abafar a pressão de leitores e de setores da sociedade por informação precisa, boas histórias, equilíbrio e diversidade. E essa pressão se dá principalmente sobre os grandes jornais, como a Folha.

O desafio é entender que numa sociedade mais exigente o êxito empresarial estará sujeito ao atendimento dessas expectativas. Um caminho para fugir dos controles dos governos é a auto-regulação. Esse caminho requer um pacto de confiança com a sociedade e com os leitores.

Exige mais transparência por parte dos jornais, mais responsabilidade na investigação jornalística, mais compromisso de corrigir os erros, de garantir o direito de resposta e de explicar as decisões editoriais. Portanto, mais diálogo com os leitores.

Os jornais querem fidelidade quando deveriam estar pensando em cumplicidade e participação. Para isso, teriam de estar mais abertos e disponíveis.


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