Folha de S. Paulo


Mostra exibe e debate filme essencial sobre desperdício de comida

Eles chegam de noite, de bike, e reviram os containers de lixo de um condomínio. Encontram frutas, verduras e pães em bom estado. Colocam nas mochilas e levam embora. "Faço compras só a cada duas semanas", diz um deles.

A cena da atividade da dupla abre o filme "O Sabor do Desperdício" ("Taste the Waste") , documentário que mostrou o perverso caminho da comida da fazenda até o prato. No percurso, mais da metade dos alimentos cultivados na Europa vai para o lixo, sendo que a maior parte deles nem chega às casas dos consumidores. A cada ano, 90 milhões de toneladas de comida são jogadas fora.

É o caso das batatas, tomates e pepinos que estão fora de padrões de cores, formatos e tamanhos analisados detalhadamente pelos produtores para atender às exigências de grandes varejistas e supermercados de comida. Não são critérios nutricionais, mas puramente estéticos, como comenta um fazendeiro alemão que dá depoimento no documentário. Os pepinos tortos, por exemplo, são descartados porque não cabem nas caixas!

O filme marcou a discussão sobre desperdício de comida na cadeia produtiva e se mantém como estrela de festivais sobre aproveitamento de resíduos e economia circular desde 2011, quando foi lançado. Não é para menos. É um documentário impactante e ainda atual.

Se você se interessa pelo tema, há uma chance de assisti-lo neste sábado (7), no Centro Cultural São Paulo (CCSP), 15h, e participar do debate promovido pela Horta do CCSP em parceria com a Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental. Detalhes sobre o debate na página do evento no Facebook.

"Taste the Waste" mostra o poderoso sistema de distribuição de comida, que é capilar e eficaz na entrega, mas não prevê o caminho de volta. Esse sistema leva para os pontos de venda uma quantidade de alimentos que eles não têm condições de absorver e consumir dentro dos prazos de validade estabelecidos. É uma obsolescência programada nada explícita –mas essencial para a rentabilidade e terrível do ponto de vista humanitário– da comida.

Num grande supermercado na França, por exemplo, os funcionários contam que os iogurtes são retirados das gôndolas seis dias antes do vencimento. E jogados no lixo. Obviamente sem separação entre conteúdo e embalagem. Isso significa que todo o plástico vai misturado com o lixo orgânico para um aterro sanitário. Só este supermercado gera 500 toneladas de lixo por ano.

O filme entrevista também uma pesquisadora que fez um trabalho sobre o desperdício de comida nas famílias alemãs. Segundo ela, a maior parte dos entrevistados nega que desperdice comida, por uma questão moral, mas compra muito mais do que é capaz de consumir e joga fora volumes enormes diariamente sem se dar conta nem ao menos que está torrando um bom dinheiro.

Ao lado de padeiros, agricultores, gerentes de vendas de supermercados, inspetores de distribuição em centrais de varejo, participantes de cooperativas, políticos, representantes da União Europeia, o diretor entrevista também Carlo Petrini, o jornalista italiano que é fundador e presidente do movimento Slow Food, e a dupla de freegans (ou freeganistas) já citados no começo deste texto.

Aqui abro um parêntesis meio grande, mas que vai fazer sentido já já: freegan vem da junção de "free" e "vegan". Assim como os vegans, que não consomem produtos de origem animal ou testados em animais para evitar a exploração animal, os freegans consideram que, na economia industrial, a exploração é generalizada, abrangendo a terra, os animais, o meio ambiente e os trabalhadores, em quase todos os produtos circulantes.

Por isso, procuram participar o mínimo possível do sistema, defendendo as práticas de ocupação de imóveis abandonados, transporte por carona, recuperação de comida e materiais diversos desperdiçados (chamada também de pilhagem urbana e de mergulho em lixeiras), diminuição do trabalho e desemprego voluntário.

O assunto de desperdício de comida é vasto e apaixonante. Dois anos depois de dirigir "Taste the Waste", o canadense Valentin Thurn lançou uma plataforma de trocas e doações de alimentos pela internet (a Foodsharing.de) que evoluiu para postos de comida compartilhada com prateleiras e geladeiras públicas, onde as pessoas podem se servir livremente do que é deixado por outras pessoas.

Em entrevista, Thurn já disse que ideia da plataforma veio durante a feitura do filme, em 2010, exatamente quando ele rodava a parte dos mergulhadores de lixeira, os freegans. Ele se tornou um salvador de comida desde então. A Foodsharing tem representantes em várias cidades alemãs, como Berlim, Frankfurt, Munique e Colônia, entre outras, e na Áustria e na Suíça.

INSCRIÇÕES PARA CURTAS

A mostra Ecofalante de Cinema Ambiental está com inscrições abertas até 10 de dezembro para curtas metragens realizados por universitários e estudantes de escolas técnicas e de ensino médio.

Os filmes devem ter sido finalizados a partir de 2013, ter até 15 minutos e temáticas ambientais sobre cidades, campo, energia, água, consumo, recursos naturais, mudanças climáticas, povos e lugares, ativismo, poluição e contaminação, políticas públicas socioambientais, economia verde, globalização, mobilidade, habitação, alimentação, vida selvagem e sustentabilidade. Os selecionados para a competição serão exibidos em salas de cinema da cidade de São Paulo durante a Mostra, em março de 2016. Inscrições através do site Ecofalante.


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