Folha de S. Paulo


Lixo: "Repair Society" recupera memória e hábito de consertar

Divulgação
Espaço do projeto
Espaço do projeto "Repair Society" na Bienal de Design de Istambul, que vai até 14 de dezembro

Liquidificador, ventilador, luminária e cadeira quebrados, calça descosturada, malha desfiada. Você sabe consertar? Seus pais sabiam? E seus avós? É provável que alguém da sua família saiba ou soubesse, e que essa capacidade já tenha se perdido.

Pois é através da recuperação das memórias dos mais velhos que o projeto "Repair Society" mostra o valor do ato de reparar objetos, roupas, móveis. E o quanto essa sabedoria tem a ver com autonomia, independência e sustentabilidade.

O projeto foi lançado na semana passada, na segunda Bienal de Design de Istambul, que segue até 14 de dezembro na cidade turca.

"A habilidade de reparar as próprias coisas, que passava de geração em geração, está desaparecendo lentamente. Os jovens não aprendem e não veem os benefícios desse tipo de conhecimento", diz Joanna van der
Zanden, criadora do projeto.

Para a Bienal de Istambul, Joanna pediu a 60 estudantes de comunicação, design de games e desenho industrial que entrevistassem seus pais, avós e familiares próximos sobre consertos que eles sabem fazer, como aprenderam e como se relacionam com os objetos que consertaram, remendaram ou reinventaram.

As entrevistas viraram vídeos com depoimentos e aulas, além de um mapa de locais de consertos e ateliês de artesãos em Istambul.

Os estudantes se surpreenderam com a quantidade de coisas que os mais velhos sabem fazer e que eles não sabem. E muitos deles, pela primeira vez, conversaram com suas famílias sobre improvisação, criatividade e sobrevivência, através das histórias dos objetos. Os depoimentos também mostraram que no espaço de uma geração uma habilidade como a de remendar roupas se perdeu totalmente.

"Istambul foi um piloto. Vamos coletar memórias, histórias, ideias e artefatos de pessoas que se ocupam de qualquer tipo de reparo em várias cidades do mundo", conta Joanna. Um site está sendo construído para colocar no ar um arquivo de depoimentos e permitir novas contribuições online.

Joanna vê uma tendência crescente em valorizar o reuso e os consertos, que corre na mesma direção das ideias de compartilhamento de projetos, fabricação digital, produtos com código aberto e o movimento faça você mesmo (DIY, de "do it yourself"). "Se queremos uma sociedade mais sustentável, temos que dissociar prosperidade da ideia de comprar cada vez mais, e trocar sempre por coisas novas", diz.
Joanna acredita que cada vez mais as pessoas tentam sair da dependência dos serviços de manutenção autorizados dos fabricantes e da armadilha da obsolescência programada, para se apoderar dos produtos. A ideia é que quem conserta acaba reinventando, dando um novo significado cultural aos objetos, e os preserva por mais tempo, evitando o consumismo.

Uma das iniciativas mais antigas nessa direção é a rede Repair Café, que nasceu na Holanda, em 2009. Os cafés são locais de encontro de voluntários com habilidade para consertar eletrodomésticos, eletrônicos, bicicletas, brinquedos, roupas e utensílios e onde esse tipo de conhecimento prático é valorizado e vai sendo repartido entre todos os participantes. Quem leva para consertar aprende como fazer da próxima vez.

Hoje há cerca de 400 deles espalhados pela Europa, América no Norte, Austrália e um também no Brasil. O "Café Conserto" brasileiro é organizado pela Andes (Agência Nacional de Desenvolvimento Eco-social) e se realiza em Santos, em locais variados. Para saber sobre as próximas datas do Café Conserto de Santos,veja o site da Andes ou a comunidade curtaandesbrasil, no Facebook. E se você quiser saber como criar um Café Conserto, veja as instruções no site da associação holandesa Repair Café.


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