A manhã de ontem trouxe a primeira geada. O sol brilhava muito, o céu estava azul e as árvores começavam a perder suas folhas amarelas e vermelhas, prenunciando a chegada do inverno. No hemisfério Norte, esse é um período dourado. O friozinho no ar prenuncia o que virá.
O "grande canal do oeste", na Inglaterra, que celebrará seu 200º aniversário no ano que vem, começa no sopé da colina onde fica minha casa. A balsa puxada a cavalo que apanha turistas para um passeio duas vezes por dia está guardada para o inverno, agora, e os cavalos foram recolhidos aos estábulos.
Um trecho do canal desabou, como resultado de chuvas torrenciais em 2012. A despeito das medidas de austeridade do governo, o conselho local destinou 5 milhões de libras de suas verbas de emergência para custear os reparos. Ao que parece, o canal vale muito mais como parque campestre do que como o projeto comercial que um dia foi. Sua retomada é uma ironia histórica.
Nesta semana, o "Financial Times" criticou, em editorial, as propostas da presidente Dilma Rousseff para a segurança da internet e sua emenda a um projeto de lei que está tramitando em regime de urgência e requereria que fossem armazenadas no Brasil todas as informações sobre brasileiros na internet.
Não é uma ameaça ociosa. O Brasil conta hoje com cerca de 100 milhões de internautas. É o segundo maior usuário mundial do Facebook e do Twitter. Os usuários brasileiros de internet dependem de infraestrutura norte-americana. E essa infraestrutura está sujeita a vigilância pelos EUA.
A escuta norte-americana no celular de Angela Merkel causou indignação na Europa. Mas a indignação do Brasil não recebeu atenção semelhante. E o mesmo vale para as palavras fortes de Dilma na abertura da assembleia geral da ONU. Alguns norte-americanos descartam a reação brasileira como fruto de um antiamericanismo persistente, e é claro que ele existe em setores influentes da opinião brasileira.
Contudo os estrangeiros, especialmente os norte-americanos, precisam compreender essa preocupação. Não é acidente que o Brasil tenha aderido à resolução da Alemanha sobre segurança da internet, na ONU. A Agência de Segurança Nacional (NSA), dos EUA, claramente é obcecada por saber tudo sobre todos, sempre. Essa espionagem descontrolada, especialmente contra aliados, causa reações obsessivas. É um risco que sempre existiu. E é a raiz do projeto de lei de Dilma.
Como na história do "grande canal do oeste", só o tempo dirá se os gastos iniciais com a infraestrutura valerão a pena. A longo prazo, investimentos como esse podem ter resultados inesperados, imprevistos e, ocasionalmente, até positivos.
KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Tradução de PAULO MIGLIACCI