Folha de S. Paulo


Por triste ironia, recluso João Gilberto termina seus dias exposto

Jamais estive com João Gilberto. Nunca me cansei de ouvi-lo.

Uma vez, e apenas uma vez, por telefone. Foi assim: eu acabava de chegar em casa depois do trabalho e, tarde da noite porque participava do "Jornal da Globo", o telefone tocou.

Estávamos às vésperas da Copa do Mundo de 1994, nos EUA.

Atendi e do outro lado alguém se apresentou falando baixinho: "Juca, aqui é João".

"Que João?", perguntei. "O João, Juca", ouvi de volta.

Quando ia devolver dizendo que conhecia muitos Joões, reconheci a voz do baiano ao mesmo tempo em que ele dizia pausadamente "João Gilberto". Imediatamente disse a ele que estava em pé, em posição de sentido e às ordens.

Então, João pediu: "Tenho certeza de que posso pedir isso a você e que você não irá dizer para ninguém que fui eu quem pediu. Mas diga a Parreira para mandar os jogadores pararem com essa frescura de entrar em campo de mãos dadas porque isso não tem nada a ver com os brasileiros".

Não tive tempo de dizer goiaba, porque ele desligou.

A seleção fazia campanha preocupante nas eliminatórias e se deu as mãos na entrada em campo para o jogo disputado no Recife, contra o Paraguai.

Goleou por 6 a 0 e adotou a atitude daí por diante, na Copa, inclusive, que culminou com o tetra, porque apesar de eu transmitir o recado a Parreira dizendo que era de um gênio da raça, o treinador se limitou a sorrir e não o transmitiu aos jogadores. Esqueci de contar, como tantos outros, o episódio em meu livro de memórias.

Conto aqui e agora, embora já o tivesse revelado em meu blog quando João completou 80 anos e, recentemente, no programa de Pedro Bial, para lamentar que alguém tão discreto, famoso por interagir pouco, obsessivamente cioso de sua intimidade, esteja exposto como está aos 86 anos, quando deveria apenas gozar das benesses de sua genialidade.

Bem que seus herdeiros poderiam se dar as mãos e parar com essa exposição injusta do magnífico João como se o fizessem de bolinha de papel.

TÚMULOS

Um dia o carioca não menos genial Vinicius de Moraes disse que São Paulo era o túmulo do samba. Na verdade, disse, com raiva, para defender o amigo Johnny Alf que tocava numa boate paulistana sem o devido respeito dos frequentadores.

Outro Moraes, sem nenhum parentesco com o poeta, o paulista Alexandre, quando secretário da Segurança de São Paulo, determinou, fria e arbitrariamente, que os clássicos estaduais fossem disputados com torcida única, medida já decidida para a próxima temporada e que parece ter vindo para ficar, ao menos enquanto os tucanos seguirem mandando no Estado -no mínimo até dezembro de 2018.

Hoje ministro do STF, Alexandre de Moraes entra para a história como coveiro do futebol paulista.

Resta saber de onde ele plagiou a medida, porque da Inglaterra, certamente, não foi.

São Paulo passa a fazer jus ao título de túmulo do futebol, a terra em que, quando não se sabe como resolver o problema, proíbe-se a maioria de desfrutar do espetáculo porque a minoria, embora facilmente identificável, causa transtornos.

A famosa paz dos cemitérios.


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